quinta-feira, 1 de maio de 2014

Análise: O Pacto, de Joe Hill

Nessas horas, ser um diabo seria a melhor opção. Não importa o que você faça, as pessoas sabem que faz parte da sua natureza e todas estão suscetíveis ao erro.

SEM SPOILERS

Sobre a Obra

No original Horns (Chifres), O Pacto (2010) é o segundo romance escrito por Joe Hill e seu terceiro livro. O livro recebeu uma quantidade invejável de prêmios e e boas críticas. A história une terror, fantasia, drama e literatura policial. O livro nos  fala de Ignatius, que utiliza a influência que seus dois chifres recém adquiridos exercem sobre as pessoas para solucionar um crime que destruiu a sua vida e culminou na morte de sua namorada.

Uma adaptação cinematográfica estava prevista para o ano passado (2013), no entanto algumas complicações envolvendo os recursos para a produção de efeitos especiais impossibilitou a conclusão do trabalho e até o momento não possui data prevista. Daniel Radcliffe (mais conhecido por interpretar o personagem Harry Potter) possui o papel principal.

ANÁLISE

+ TRAMA

Para quem pretende ler ou está considerando a possibilidade de ler O Pacto, acredito que esses pontos que irei abordar sobre a trama sejam úteis para esclarecer ou ajudar na decisão.

Em parte, O Pacto segue a estrutura de um bildungsroman (ou romance de formação), por isso teremos uma abordagem dos personagens centrais que irá expor o desenvolvimento dos mesmos em algumas fases da vida, como infância, adolescência e vida adulta, abordando o desenvolvimento estético, psicológico, político, profissional, entre outros. No livro, isso não ocorre de forma linear. Somos apresentados à personagens já adultos e, durante a narrativa, tomamos conhecimentos de eventos passados, que possuem ligação com os eventos posteriores. 
Algumas pessoas podem se sentir incomodadas com a forma como o autor resolveu distribuir essas abordagens e sobre isso falarei mais adiante.
O livro é dividido em "partes", sendo a primeira baseada na descoberta do protagonista de que há algo não natural no modo como as coisas se sucedem após acordar de um sono precedido por bebidas alcoólicas. Esse é um momento particularmente interessante, nos permitindo vivenciar a reação das pessoas às influências dos chifres que surgem na fronte do protagonista, que dentre outros efeitos, levam aqueles que estão diante dele a confessar seus segredos mais escuros e nojentos, seus piores "pecados".

Seguimos o protagonista e, após um momento de tensão da história, o autor dá inicio à segunda parte dela, que consome uma boa parcela da narrativa e envolve acontecimentos passados, muitos anos antes dos eventos iniciais. Pelas opiniões que li, acredito que esse seja o aspecto que mais desanimou alguns leitores e levou outros a abandonar a leitura. Essa atitude, em alguns casos, foi injustificável, pois essa reação veio em decorrência da pausa que é dada nos eventos tensos da primeira parte (escolha do autor, que decidiu que desenvolveria melhor sua história dessa maneira) para dar início a uma segunda parte menos tensa, mais que traz eventos úteis para a aproximação entre leitor e personagens e para o enriquecimento do enredo. Outros casos de abandono podem envolver apenas uma não identificação com o tema, narrativa, enredo...

Ao fim da segunda parte temos então vários momentos - às vezes dentro de um mesmo capítulo - em que são intercalados esses eventos "antes e depois", havendo maiores momentos de tensão.

Após concluir a história, considero que o autor trabalhou bem em cima de sua trama, que é muito rica por sinal, e criou aquilo que ele tinha em mente criar. Personagens consistentes, bastante realistas em uma trama onde a presença do sobrenatural passa a fazer parte da realidade cotidiana de um indivíduo, afetando aqueles que lhe estão próximos

+ NARRATIVA

Quase completamente enxuta, sem enfeites, direta, pesadamente coloquial, com um ou outro momento em que se emprega algo mais metafórico em descrições, momentos de reflexões fazendo alusão a elementos bastante cotidianos.

A escrita do Hill não me agradou (e não, isso não faz de seu livro um livro ruim). Gosto de textos mais bem elaborados, com mais complexidade, menos coloquiais e mais metafóricos, irônicos, moralistas. Por essas ausências, é uma leitura consideravelmente fluida, li em dois dias e dei boas risadas. Apesar desses aspectos, a trama está tão cheia de críticas a nós e à nossa sociedade, que para mim seria impossível não amar e aprender com essa leitura.

O PACTO E SUA APLICAÇÃO NA VIDA REAL

+ Sobre ser o Diabo

Essa é uma premissa e tanto, temos que concordar. É o tipo de plot que faz você pensar "Nossa! Isso deve ser muito bom". Um homem acorda e descobre que possui evidentes chifres e que, ao invés de manifestarem repulsa diante dos tais, as pessoas sentem-se motivadas a lhe revelar seus piores pecados. Sim, sim, é o tipo de premissa que nos convida a desejar essa história.

O Pacto é, acima de tudo, um livro sobre a nossa inclinação para cometer erros e viver para escondê-los. Camadas e mais camadas de erros que, com o tempo, trarão seus nocivos efeitos e começarão a exercer seu peso sobre nós. Mas, se todos erramos, qual o motivo de almejar tanto parecer uma exceção?

Ao se tornar um diabo, Ig encara as confissões que lhe são dirigidas com cada vez mais perplexidade, sendo algumas dessas confissões mais impactantes do que outras. Sabemos que essas variações na reação tem a ver com o quão grave é considerado o erro, de acordo com os padrões de quem ouve. Isso explica, em parte, nossa preocupação em manter alguns "crimes" escondidos.

Ig nos permite constatar, por meio de seus encontros, que nenhuma pessoa é "inocente", todas cometem e desejam cometer erros, vários, até mesmo crianças. O problema está em escondê-los e agir como se nosso erro fosse menor que o do outro e, por medo da reação da sociedade, "viver na sombra" ou ter medo de "andar na luz". E os escondemos tão hermeticamente, que acabamos acreditando que de fato somos melhores. Maridos que não amam suas esposas e levam vidas extra-conjugais e pensam que essa é a melhor forma de levar a vida, escondendo, para o seu bem e o bem de todos. Mentiras contadas aqui e ali. formando uma estrutura tão frágil quanto um castelo de baralhos. Pessoas que não suportam outras, mas em sua presença mantém a fachada sorridente e amigável, dentre tantos e tantos erros que insistimos em preservar a adicionar no sótão do "viver de aparências".

Nessas horas, ser um diabo seria a melhor opção. Não importa o que você faça, as pessoas sabem que faz parte da sua natureza e todas estão suscetíveis ao erro. Erramos e continuaremos a errar, mas, mais importante que evitar errar é reconhecer e superar os erros e, se errar de novo, bem... põe a culpa em algum diabo.

Por fim...

Há outros aspectos a serem avaliados em O Pacto, como a família em uma sociedade fragmentada, a banalização do sexo e do amor, a juventude irresponsável e curta, as responsabilidades e frustrações da vida adulta. Mais uma vez a ficção me levou a trilhar estradas que, de outro modo, jamais o faria e, veja só, dessa vez eu vi o mundo sob a perspectiva do próprio Diabo.

* Joe Hill é filho do escritor de suspense e terror Stephen King.
Por Henrique Magalhães

Um comentário:

  1. Ois Henrique,

    Realmente dá gosto ler as tuas resenhas, sempre muito esclarecedoras e ficamos com imensa vontade de ler os livros analisados.

    Nunca li nenhum livro do escritor e parece que realmente faço mal, pois estamos na presença de um escritor talentoso vou ver se consigo encontrar e ler ;)

    PS: Acabei de ler O Pistoleiro, volume 1 da serie Torre Negra do pai do escritor e finalmente gostei de um livro do King :D

    Abraço e boas leituras

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