sábado, 26 de abril de 2014

Análise: Em Busca de Wondla, de Tony DiTerlizzi

Se uma criança me disser que leu esse livro, terei que agendar um chá para conversar com ela

“Se você quiser que seus filhos sejam inteligentes, LEIA CONTOS DE FADAS. Se quiser que sejam mais inteligentes, LEIA MAIS CONTOS DE FADAS."—Albert Einstein

Sobre a Obra

Eva Nove é uma garota de 12 anos que vive em um "Santuário" subterrâneo, uma construção a base de tecnologias avançadas, revelando o quanto a civilização humana conseguiu avançar em suas criações e descobertas. Durante 12 anos, Eva jamais subiu a superfície e tudo o que ela conhece a respeito do mundo lá fora é fruto de simulações de realidade avançada e hologramas, além dos ensinamentos que recebe de sua mãe robô, Mater, uma robô programada para educar Eva e cuidar dela como se fosse sua própria filha.

Eva está recebendo treinamentos para sobreviver na superfície quando estiver preparada. Esse é o seu maior sonho: ir à superfície e encontrar, pela primeira vez, um outro ser humano.
Um evento inesperado força Eva a fugir de seu lar, sozinha, e sobreviver em um mundo muito diferente daquele que lhe foi mostrado.

Portando um de seus bens mais preciosos, uma imagem antiga em um papel que traz no verso a palavra WondLa, Eva vai em busca de respostas e acaba encontrado uma infinidade de perguntas, cada vez mais difíceis de responder. Ao mesmo tempo que está sendo caçada sem saber o motivo, Eva encontra terrores e maravilhas que vai fazer o leitor enxergar o mundo real sob um prisma mais "fantástico".

Em Busca de Wondla e as maravilhosas impressões que me deixou

+ Um livro para crianças pequenas e grandes

“Um dia você será velho o bastante para começar a ler contos de fada de novo”. – C.S. Lewis

Dessa vez, preciso começar pelos pontos positivos, pois são bastante relevantes. Esse não é um livro de contos de fadas, mas possui o mesmo encanto e beleza que se espera dos contos.

Em Busca de Wondla é o primeiro livro de uma trilogia, um começo tão conveniente quanto O Leão,a Feiticeira e o Guarda-Roupa e tão criativo e fascinante quanto O Mágico de Oz e Alice no País das Maravilhas. Em termos de universo, temos equivalente ao sucesso cinematográfico de 2009 Avatar, que deslumbrou (e ainda deslumbra) o mundo com seu mundo invejável e tentador.

Quanto a classificação, Em Busca de Wondla é uma ficção científica com um toque quase invisível de fantasia, esta última residindo apenas no teor de profecia que permeia alguns eventos da história. A história em si é ficção científica destinada ao público infanto-juvenil, mas agradará a qualquer um que esteja em busca de um livro que veio como resultado de uma dedicação quase doentia por parte do autor, que esteve preocupado com todos os aspectos possíveis para transformar seu trabalho em um trabalho mais que bem feito. O próprio Guilhermo Del Toro participou do processo de avaliação, dando sugestões, entre outras pessoas. 

Tony DiTerlizzi escreveu uma ficção que vai encontrar um lugar no coração e na mente de crianças, jovens e adultos.


Se uma criança me disser que leu esse livro, terei de agendar uma chá para conversar com ela

Sim, eu iria até os pais dela e os parabenizaria, primeiro, por possibilitarem à criança o acesso aos livros e, segundo, por colocarem em suas mãos um livro tão intrigante e com um teor de complexidade que não pode ser encontrado em qualquer livro infantil, com uma história que não subestima a mentalidade da criança, pelo contrário, a exercita e alimenta. Um prato cheio, capaz de levar a imaginação a pico!

Tony DiTerlizzi desenha tão bem quanto escreve e sua escrita desenha cenários e mais cenários em nossas mentes, que quanto mais lê, mais faminta e sedenta se torna por mais e mais maravilhas que sua obra explana diante de nós. Por várias vezes eu me vi olhando para o céu descrito por ele, para as aves e suas penugens e formas tão excêntricas e instigantes. Tudo é banhado em criatividade e as formas de vida descritas por ele mais se parecem com possíveis futuras descobertas científicas.

"Crianças que leem se tornarão adultos que pensam", e o universo de Wondla é tentadoramente recomendável para alguém em busca de uma história que bombeie os neurônios com descrições de cenários fantásticos.


+ Prós e Contras

É bom lembrar que mesmo os clássicos têm seu lado ruim e lembrar também que um aspecto negativo para mim pode não ser um aspecto negativo para outros. Muitas pessoas, por exemplo, reclamam do caráter excessivamente descritivo de livros como O Senhor dos Anéis ou As Crônicas de Gelo e Fogo, já eu os considero necessários, gosto, aprecio, desfruto, me esbanjo (risos). Outro ponto importante é: pontos negativos não fazem com que um livro seja ruim, por regra, pois outros aspectos positivos podem fazer dos pontos negativos irrelevantes.

Feitas essas observações, sigamos.

Eva Nove, 12 anos, criada por uma robô, está sozinha em um mundo "vivo"

Como o autor nos revela nas notas finais, 12 anos foi uma sugestão que ele recebeu para atribuir como idade de sua protagonista, a idade tida como o momento de passagem da infância para uma adolescência com responsabilidades mais"adultas".

Eva precisará encarar a responsabilidade por sua própria vida e, consequentemente, por encontrar respostas para perguntas que a farão entender quem ela é e qual sua importância no mundo, questões existenciais que já começam a preocupar a garota, como o significado de sua existência.

Eva me pareceu quase real em relação a uma parcela considerável de adolescentes que conheço e jovens da nossa era, que tem sido cada vez mais artificiais. Diferente de Eva, eles não fazem perguntas, não buscam respostas, se entregam a qualquer aventura, sem assumir responsabilidade pela própria vida, colocando-se diante de riscos desnecessários, de drogas a outros tipos de vícios, até encontrarem a morte certa ou viverem levando uma vida cinzenta, sem vida, radioativa, que acaba por interferir na vida de outros de forma direta ou não.

Em sua jornada (como na nossa), Eva encontra pessoas boas e outras não tão boas assim. Pessoas interessantes, dispostas a ajudar e pessoas arrogantes, ocupadas demais para conhecer ou ouvir alguém, ocupadas demais para dar uma mãozinha, mesmo tendo duas (ou mais). Como Eva, precisaremos estar prontos para seguir adiante, ainda que uma floresta inteira pareça querer nos devorar ou que ninguém esteja disposto a nos ajudar, adiante nos espera algo bom, alguém em quem confiar.

Em alguns momentos Eva se comporta com excessiva imaturidade, acredito que esse aspecto me tenha sido incômodo, penso que, mesmo cometendo erros, eles não precisavam vir na forma de infantilidades. Mas, bem, confesso que às vezes, até mesmo eu tomo atitudes infantis em situações que demandam seriedade.

Uma questão técnica: os idiomas

Eva encontra dificuldade em comunicar-se com algumas "criaturas" que ela encontra, pois elas falam outros idiomas que desconhece totalmente. O autor então criou um mecanismo para que esse obstáculo fosse superado, um mecanismo bastante um tanto inverossímil. Sendo assim, estabelece-se algumas regras de funcionamento, que confere ao aparato um caráter místico científico, mas que, em muitos momentos, são desobedecidas. É o tipo de fato que passará despercebido para alguns, mas dada minha leitura clínica, não pude deixar de notar (mais risos).

+ Uma grande metáfora

Quando um adulto lê O Mágico de Oz ou O leão a feiticeira e o guarda-roupa depois de já haver visitado esses mundos na infância, ele vai desfrutar da maravilhosa (ou não?) sensação de encontrar, em um mundo antigo e já visitado, coisas novas e desconhecidas. Essas são as mensagens escondidas, uma moral profunda, que, conforme DiTerlizzi confirmou, está presente em Wondla.

    - Encontros, Desencontros e Reencontros

Em Busca de Wondla é uma metáfora sobre a "perda" da infância, sobre encontrar a própria identidade e ir em busca de um futuro promissor. A trama inteira é permeada por encontros, desencontros e reencontros, e durante todos esses processos Eva se vê indecisa, precisa fazer escolhas e tomar cuidado para não tomar decisões que comprometam o bem estar dos que se preocupam com ela. Ao mesmo tempo em que não quer machucar os sentimentos dos que a querem bem, Eva tem curiosidade em descobrir esse mundo novo, diferente de tudo, essa mudança repentina e completamente inesperada (puberdade). São processos que o adolescente conhece muito bem. Mudanças em seu corpo, sua mente, desejos, curiosidade, escolhas, erros e acertos. A tentação de "sair" da linha, de ser independente. Apesar desse turbilhão de eventos, Wondla nos diz que tudo pode acabar bem e nos ensina que os livros podem ser ótimas companhias nessa fase da vida.

    - Uma mãe robô

"Ela não é igual a mim" é um dos pensamentos que Eva nutre em relação a sua "mãe" robô. A sensação de ser incompreendido, de não conseguir expressar o que sente ou pensa, a distância entre pais e filhos (cada vez mais recorrente na era do avanço tecnológico e nessa sociedade capitalista-consumista), na mente do adolescente tudo isso se transforma em uma necessidade urgente de encontrar os seus "iguais", tal qual Eva deseja encontrar outros humanos. Essa é a época de fazer muitas escolhas e a presença dos pais, mesmo que repelida, é mais que necessária. Mesmo à distância, ainda quando não está presente, os ensinamentos e lições de Mater estão sempre vindo à mente de Eva, o que a ajuda a escapar de sérios apuros.

Nossas mães parecem haverem sido "programadas" para nos educar tal qual Mater, a robô de eva, foi. Na adolescência é comum considerarmos a mínima demonstração de preocupação por parte dos pais irrelevante, excessiva ou piegas. Adolescência significa mais privacidade, mais distanciamento, mais responsabilidade. É o momento de colocar em prática aquilo que nossos pais nos ensinaram. Apesar de não termos um simulador de realidade que nos mostre ao vivo e à cores os perigos que poderemos enfrentar, nossos pais acabam sendo ótimos substitutos de tal tecnologia.


Por fim...

Uma história com gosto de infância, o sabor de um tempo em que podíamos tocar o céu e dançar nas nuvens, de um tempo em que ser adulto era a última de nossas preocupações, pois estávamos mais ocupados com assuntos mais urgentes: ser criança, explorar o mundo, fazer perguntas, gritar por respostas e fantasiar uma realidade melhor. Aceite um convite para voltar no tempo, Wondla fará um bom trabalho.

* Tony DiTerlizzi é autor e ilustrador, ele escolheu as tonalidades de cores das imagens que são encontradas nos livros da Trilogia Wondla baseando-se no estilo da virada do século. O livro também é uma homenagem ao O Mágico de Oz.

Resenha escrita por Henrique Magalhães

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