domingo, 20 de abril de 2014

Análise: The Adoration of Jenna Fox (A Adoração de Jenna Fox), de Mary E. Pearson



Um exemplo de que um Y.A. pode ser profundo, bem escrito e marcante.

Faz muito tempo que li The Adoration of Jenna Fox, muitos anos. Infelizmente, o livro não foi publicado no Brasil (ainda?), mas acredito que ainda seja possível encontrar uma versão "ilícita" na internet que foi traduzida por algum grupo de tradução, do contrário, comece a pensar em aperfeiçoar seu inglês.

Eu tenho uma espécie de  "reação sinestésica" relacionada a livros que me marcaram. Às vezes, quando termino de ler um livro que exerceu bastante influência sobre minhas emoções, forma-se a imagem viva de um ambiente, no caso de Jenna Fox, trata-se de uma manhã ensolarada de céu azul e grama verde sob os pés com árvores de folhas amareladas e com neve em processo de derretimento. É como seu eu pudesse sentir o calor mandando embora o frio e estabelecendo o clima perfeito!

Sobre a Obra

Trata-se de uma daquelas distopias que podem se tornar realidade amanhã mesmo. A tecnologia medicinal avançou muito seus horizontes, atingindo escalas admiráveis e cada vez mais questionáveis. Uma tecnologia avançada que permite recuperar ou regenerar artificialmente partes do corpo humano com eficiência total. Na verdade, a única coisa que impede a medicina vigente de avançar no uso desse mecanismo é a lei, que proíbe que mais de 49,9% do conteúdo seja aplicado em um ser humano, por questões éticas, que visam "manter a humanidade" do indivíduo. E é então que começamos a nos perguntar se valeria a pena infringir a lei, tornando-se assim um criminoso, para trazer de volta alguém que amamos, mais que isso, o ato de usar a tecnologia acima da medida também nos leva a questionar nossos princípios, nos colocando diante de questões que envolvem ética e moral. Vale a pena perder grande parte da humanidade que temos e continuar vivendo? Afinal, até que ponto pode-se manter a humanidade em um mundo onde praticamente todos os tecidos corpo pode ser regenerado artificialmente?

Jenna Fox protagoniza é uma jovem que sobrevive a um trágico e mal explicado acidente que foi a causa da morte de dois dos seus melhores amigos. Após um ano em estado de coma, Jenna desperta sem lembrança alguma a respeito de seus pais, amigos e dela mesma. Ela precisa aprender tudo do zero. Por meio de gravações em videos de fases da sua vida, Jenna acompanha os dias da vida de uma garota que já foi ela um dia, em um tempo antigo, antes do dia fatídico que mudou para sempre a história de sua vida.

The Adoration of Jenna Fox e Sua Aplicação na Vida Real

+ Sobre Memórias Perdidas



A perda da memória é um tema recorrente em filmes, documentários e literatura e é uma realidade com a qual muitos indivíduos vivenciaram e muitos ainda vivenciarão, seja causado por uma acidente que comprometa as regiões cerebrais ou por doenças que degeneram o sistema nervoso. Não conseguir reconhecer rostos de pessoas queridas, lembrar de momentos vividos, de gostos e preferencia ou do seu próprio nome é, de longe, uma possibilidade assustadora. Nos casos mais sérios, é como tentar recuperar um texto extremamente importante que não foi salvo e que se perdeu após uma queda de energia. É como nascer de novo.

Jenna não lembra de nada e precisa começar do zero. Seus pais, amigos, bairro, cidade, músicas, gostos e hobbies estão perdidos, em algum lugar obscuro e inacessível de sua mente. Como a história se desenvolve sob seu ponto de vista, temos a oportunidade ímpar de enxergar o funcionamento da mente durante o processo de reaprendizado e de tentativa de recuperação de memória. Um processo torturante.

A escrita da autora é ao mesmo tempo poética e trivial, e essa trivialidade mesclada ao caráter poético enchem a mente do leitor de imagens, sentimentos e emoções. Penso que seja quase impossível não sentir o terror que é conviver com o esquecimento, com pedaços de imagens e rostos borradas em sua mente. Frases fragmentadas, lugares desconhecidos. A apatia que permanece ainda que diante de seus pais, agora completos desconhecidos.

+ Sobre Sensações Vividas e Esquecidas

Reaprender a utilidade de cada objeto, a disposição dos cômodos da casa, as regras de convivência, os significados de palavras esquecidas e expressões faciais, como se portar, como é viver em sociedade. É um trabalho árduo e psicológica e fisicamente doloroso, especialmente no quesito lidar com emoções e sentimentos esquecidos. Chega a ser torturante, perturbador.

Lembrando disso, é impossível eu não reconhecer os motivos pelos quais estimo tanto o hábito da leitura cultivado na infância e juventude. O jovem leitor entra diretamente em contato com outras realidades, outras vidas, outras situações. É a melhor forma de despertar empatia, já que os livros nos põe em contato com seres humanos que passam por situações que, de outra forma, o jovem não teria como assimilar. Afinal, não são todas as pessoas que tem a chance de conhecer alguém que perdeu completamente a memória e saber o que se passa em sua mente, como é sua rotina, quais suas dores e o modo como tal pessoa vê o mundo.

A autora mantém a maestria ao nos fazer mergulhar cada vez mais fundo em um lago no qual, de outra forma, jamais chegaríamos a nadar.

+ Sobre a Questão da Humanidade

Em um ponto da trama, ficamos cientes de que alguns segredos muito perigosos estão fervendo e evaporando, ameaçadores. Esses segredos envolvem o uso da medicina na recomposição artificial de membros e órgãos perdidos.

Se um indivíduo sofre um acidente e precisa reconstituir artificialmente mais de metade do seu corpo para continuar vivendo, o que impede a medicina de salvar-lhe a vida? Nesse momento, a noção de humanidade associada à parcela do corpo composta de elementos originais deve determinar se o paciente deve ou não morrer? Se tudo o que somos está em nossa mente, nossa personalidade, desejos, ideias, pensamentos, lembranças, tudo salvo em nossa memória,  proporcionar um meio de sustentar a vida não é, em si, uma atitude que define humanidade? E se essa reconstituição em larga escala interferir do processo de envelhecimento, tornando-o extremamente lento, levando o indivíduo a viver além de seus netos e bisnetos, é correto salvar-lhe a vida?

Por fim...

A importância e o poder da amizade e da família em momentos difíceis recai como um bálsamo sobre aquele que sofre e vemos isso em Jenna Fox. Recomendo este livro a todos os que estão em busca de história que, apesar de ter sido inspirada em um grande clássico, O Homem Bicentenário, possui sua inegável dose de originalidade e beleza literária.

Por Henrique Magalhães

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