sábado, 10 de maio de 2014

Anáise: O Substituto, de Brenna Yovanoff

Pode parecer ridículo, mas agora que concluí a leitura de O Substituto, senti um pouco de pesar  por meu 'eu' adolescente não ter tido a oportunidade de ler esse livro. Ele iria adorar mais intensamente do que eu essa fantasia urbana.

Sobre a Obra

Há 16 anos Mackie foi trocado por um bebê humano, deixado para viver na cidade de Genty, com a família Doyle, que faz todo o possível para não atraírem atenção indesejada para a peculiar criança lhes foi deixada.

Mackie agora é um adolescente que se esforça para disfarçar suas singularidades, como a repulsa patológica ao ferro, sangue e lugares sagrados. Ele não é a primeira e nem a última criança trocada na cidade de Gentry, onde a cada sete anos um sacrifício de sangue é realizado na presença das criaturas que vivem nos túneis da cidade, onde há profundas poças de água negra e criaturas que definitivamente não são humanas.

Há muitos segredos na cidade, todos tem sua cota de coisas escondidas. Mas, segredos não ficam ocultos para sempre e alguns são tão potentes quanto furações, tirando tudo do lugar, removendo todos do seu aqui e agora.

Análise

+ Um resumo técnico: prós e contras

Brenna Yovanoff escreve livros de ficção especulativa e destinados de  à jovens-adultos. Esse foi o meu primeiro contato com a autora e, sem dúvida, vou ler outros de seus trabalhos.

O efeito que sua escrita surtiu sobre mim foi o de me fazer esquecer inteiramente que eu estava lendo uma história de ficção especulada por alguém, a sensação, em alguns momentos, era de que eu estava a ler o relato de alguém que vivenciou a história. Isso se deve, em parte, pelo fato de a história ser contada em primeira pessoa, em parte, por ter sido escrita por alguém que sabe como guiar uma história, torná-la desejável e, de repente, você está ali ao lado do Mackie, se esquecendo que ele é um personagem fictício.

Brenna nos insere em uma cidade com personagens bem construídos, tem personalidades consistentes, reagem de modo convincente às situações, são cativantes, humanos (e desumanos) e levam suas vidas em Gentry, uma cidade comercialmente bem sucedida, mas que vem enfrentando uma série de mortes aparentemente inexplicáveis. A forma como a cidade e cada um em especial reagem a esses eventos é um fator muito bem trabalhado pela autora e insere um clima de apreensão sem o qual a história não seria a mesma.

O resultado é um Young Adult que vai agradar a quem está em busca de uma leitura fluida e uma história bem escrita de fantasia urbana, com ótimas referências musicais e um cenário que evoca.

Alguns aspectos do livro poderiam ter sido melhor elaborados, como algumas explicações envolvendo uma personagem de bastante relevância, descrita como perversa, temível, cruel e que, por fim, não fez jus às expectativas criadas em torno da mesma. Gostei muito dos diálogos do livro, mas esse é um aspecto que poderia ser mais elaborado em alguns casos onde eles se tornam artificias. O desfecho dado à trama não foi condizente com o restante da trama e, em minha opinião, foi frustrante. Nem tudo são rosas.

+ Alguns aspectos que você deve conhecer

Apesar do que pode parecer, esta não é uma história macabra, arrepiante ou aterrorizante. Ao menos, não de um modo linear. Ocorre que, quando somos confrontados com algumas criaturas, à primeira vista elas soam macabras, mas é um alarme falso. Acredito que essa ressalva seja importante pelo fato de o livro aparentar ser creepy, o que pode vir a ser frustrante.

O aspecto mais relevante do livro, do meu ponto de vista, é a cidade, seus segredos e ceticismo perante os fatos. A história é mais sobre a cidade que qualquer outra coisa. Sobre como as pessoas estão dispostas a manter as aparências e sempre prontas a julgar. Sobre como é fácil levar uma vida inteira enganando a si mesmo e banhado em futilidade. É uma história nublada sobre alguns aspectos detestáveis do ser humano e sobre como um adolescente é forçado a se debater nesse mar de hipocrisia.

Algumas reflexões feitas pelo protagonista e alguns diálogos da história nos inserem na parte podre da cidade, no lado hipócrita e detestável. Refletir sobre esses aspectos e aplicá-los à nossa vida em sociedade foi algo de que gostei. O clima cinzento, depressivo, mórbido que impera na cidade também são pontos que me agradaram. A sensação é de estar afundando em em melancolia, não da melhor espécie,mas uma melancolia juvenil e pessimista que me agrada.

O Substituto e sua aplicação à vida real

+ Sobre ser trocado

"Criança Trocada" ou changelin em francês e changeling  em inglês, faz parte do folclore europeu e é uma crença popular de que algumas crianças humanas são trocadas por crianças que fazem parte de uma prole fantástica, como fadas, um troll, entre outras criaturas lendárias. Geralmente, os pais acabam percebendo a troca, o que causa revolta ou aceitação. Ainda que seja amada ou apenas criada por humanos como se fossem seus filhos, essas crianças tendem a desenvolver habilidades ou demonstrar possuir algumas peculiaridades que a distinguem dos humanos.

Ao mesmo tempo que essa lenda nos permite avaliar a reação dos pais diante da perda e do legado que lhes foi deixado (uma criança inumana), ela acaba também por ser uma boa forma de abordar o distanciamento que existe entre pais e filhos, especificamente no período da adolescência, podendo seguir pelo resto da vida.

Em O Substituto temos um adolescente que repudia a forma como as pessoas ao seu redor levam suas vidas, banhadas em futilidades e presunção. A repula que Mackie sente em relação ao ferro e ao sangue estende-se também ao estilo de vida imperante e o resultado é a indiferença, a solidão e persistente vontade de desaparecer ou encontrar alguém que entenda, alguém disposto a entender e mudar. E quando sua família está inserida nessa realidade detestável, ter que conviver nesse ambiente onde impera a futilidade, a hipocrisia, as mentiras acaba se tornando uma espécie de tortura psicológica, um inferno pessoal.

+ Amizade

Uma das definições apresentada no livro para amizade é demonstrada na forma como alguns dos personagens se relacionam e reagem diante de situações que pedem uma atitude certa ou errada, uma atitude amiga ou egoísta. Houve um momento em especial, quando Mackie e seu amigo Roswell (extrovertido, popular, engraçado) estão tendo uma conversa em que Mackie lhe apresenta uma situação delicada e ele reage da melhor forma que se poderia esperar de um amigo de verdade.

Os livros me ensinaram a ser o amigo que sou hoje para as pessoas que conheço, me ensinaram o que meus amigos esperam de mim e o que eu devo esperar deles, incutiram em mim o senso crítico para avaliar situações e ser útil nas horas que os amigos realmente precisam, quando a bomba explode no paraíso e balança nosso mundo completamente.

Por Henrique Magalhães


Um comentário:

  1. Ois,

    Ora aqui está mais um livro que vale a pena ler, registado ;)

    Abraço

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