segunda-feira, 5 de maio de 2014

Análise: Um Estranho Numa Terra Estranha, de Robert A. Heinlein

Aqueles que morreram na década de 60 e conheceram esta obra, passaram bem perto de perder um fenômeno. Um Estranho Numa Terra Estranha é um dos mais importantes livros de ficção científica e fantasia que já tive o prazer de ler. Um livro para jamais esquecer.
*Além de ser um daqueles que te impulsionam a fazer dezenas de dezenas de marcações!

Em 2012 o livro foi nomeado como um dos 88 livros que moldaram a América.

Recebeu o prêmio Hugo Award de Melhor Novela do ano em que foi publicado.

Promovido em diversas edições como "o mais famoso romance de ficção científica".

O livro, que levou mais de uma década para ser concluído, é considerado a obra prima do autor que, por sua vez, foi considerado um dos autores de ficção científica mais influentes de sua época e um dos mais vendidos. Ele teve quatro de seus romances premiados com o Hugo, um número que jamais foi igualado!

Sobre a Obra

Um Estranho Numa Terra Estranha conta a história de Valentine Michael Smith, um humano que vem à Terra no início da idade adulta após ter nascido no planeta Marte e haver sido criado pelos habitantes do planeta, os marcianos. O romance explora sua interação com  e eventual transformação da  cultura-terrestre

Um Estranho Numa Terra Estranha e sua aplicação na vida real

+ Sobre a importância de "vivermos em Marte"

Valentine Michael Smith nasceu e viveu em Marte até o início de sua fase adulta. Durante sua estadia no planeta vermelho, foi criado, educado e tratado como um marciano. Seus pensamentos e percepções estavam inteiramente baseados nos padrões marcianos.

Muitos dos conceitos existentes na sociedade humana, como pressa, roupas, pudor, ciúmes, guerra, propriedade, entre outros, não existem na sociedade marciana, que levam uma vida calcada, basicamente, no solipsismo e na reflexão para o alcance do "groke", um termo marciano que significa "para beber", "compreender" ou "ser um com". Desse modo, os marcianos são um povo grandemente sábio, que entende o universo e os fatos da existência de um modo consideravelmente mais avançado que os seres humanos.

Marte é a antítese da Terra, é todo o seu inverso. Enquanto os humanos lutam entre si, desde debates calorosos e ofensivos, passando por diversas outras formas até atingirmos os combates bélicos. A vida em marte não conhece o ciúme, mentira, a noção de propriedade ou bens acumulativos, não conhece a guerra, a moléstia ou o medo. Colocando à parte alguns aspectos envolvendo crenças, ser marciano e estar feliz por saber que o outro está feliz, é assumir o papel de aprender e ensinar, de viver em prol do bem coletivo, de fazer irmãos e esquecer que existe um conceito para o inverso. É, em suma, converter os conceitos do que é prejudicial para o benéfico. Uma utopia que, ainda que não seja partilhada por todo o globo, pode ser vivida por cada um que reconhece as futilidades e irracionalidades da modernidade como sendo o oposto da felicidade.

+ Um "marciano" entre os terráqueos: Não é fácil ser "verde"

Ao chegar no ambiente terrestre, Mike, o Homem de Marte, sente-se enfraquecido por não estar habituado à gravidade e atmosfera da Terra.

Não é fácil mudar, isso envolve perdas, frustrações, decepções, despedidas ou dor. Se falamos em mudança de estilo de vida ou no modo de perceber o mundo, então falamos de uma luta, acima de tudo, consigo mesmo. Abandonar vícios, preconceitos, hábitos, ideias, padrões, atitudes, dentre tantos outros artigos que preenchem a vida em uma sociedade capitalista, individualista e competitiva, é uma tarefa que requer força de vontade inabalável. Se queremos ser "verdes" em um mundo onde predomina o "amarelo", é preciso ter em mente que apesar de não ser simples, é possível e vale a pena. E o processo de "descoloração" pode ser lento ou veloz, conforme vamos aprendendo, mudando, abandonando, adquirindo, abdicando e aderindo. Como Mike, um marciano adaptando-se à vida entre os terráqueos, vamos lidar com uma gravidade e atmosfera novas e o grau do comprometimento determinará os resultados.

Um elemento imprescindível à mudança é o conhecimento e a melhor forma de obtê-los é por meio da leitura constante, de diálogos construtivos (que requer companhias específicas) e de livros. Os livros nos revelam aspectos de nós e do mundo ao nosso redor que, de outro modo, levaríamos uma vida inteira para identificar. Como Mike, precisaremos de uma dose de boa companhia, livros e muita disposição para entendermos a nós, aos outros e o universo que nos cerca.

+ O que as palavras fazem

Um Estranho Numa Terra Estranha está infestado de diálogos interessantes, inteligentes e com doses altas de retórica. Esses diálogos despertam nossa atenção para o quão importante é conhecer palavras e conceitos e utilizar esse conhecimento para fazer-se compreender e compreender o outro. Tudo o que se passa em nossa mente, nossas ideias, crenças, dúvidas, sentimentos, emoções e tudo o mais, pode ser transformado em palavras que podem ser transmitidas a outras pessoas e apreendidas. Essa apreensão permite a aproximação e o compartilhamento e, todas essas coisas unidas, nos fazem crescer em sabedoria e compreensão.

Jubal, um dos personagens centrais da história, é o grande responsável pela educação de Mike. Além de seus esforços para entender o que se passa na cabeça de Mike, que fala muito mal o inglês, Jubal manifesta seu conhecimento e poder retórico em diversos outros momentos bastante peculiares. Sua lábia e desenvoltura com as palavras permitem que ele transmita suas ideias e livre-se de situações que, de outro modo, lhe seriam mortalmente inconvenientes.

+ Religiões e Sexo

Jubal também é responsável pela maioria dos diálogos envolvendo questões religiosas, que estão bastante presentes no livro, já que um dos propósitos do autor ao escrevê-lo era levar seus leitores a questionar os sistemas religiosos vigentes e suas implicações na formação da cultura, do cidadão e da sociedade como um todo, especialmente suas influencias no setor político.

Dá-se uma ênfase maior ao cristianismo e islamismo, sendo diversas outras também citadas. Trechos do alcorão e da bíblia são apresentados e explanados de modo que o leitor é levado a considerar os relatos por um ponto de vista menos romantizado e açucarado, por uma perspectiva mais crua.

O modo como a educação insere na vida e na mente dos indivíduos ideias e crenças que são aderidas como sendo a única verdade é belamente explanado no livro de forma que o leitor será obrigado a olhar para si próprio e questionar-se a respeito de muitos aspectos de sua vida moldados pela(s) religião (es). Esse é um dos motivos pelos quais esse livro modelou a América, despertando nos jovens e adultos da época o senso de "sociedade alienante" e levando-os à busca pela tão bem amada e almejada liberdade.

As relações sexuais e suas implicações no modo como as pessoas se comportam ou vivem suas vidas também é abordado. A ideia que se faz de relações morais e imorais são apresentadas e questionadas, levando mais uma vez o leitor a avaliar suas ideias e crenças.

Por fim...

Vale ressaltar que se trata de uma história com sua dose de profundidade mas que vai arrancar algumas dúzias de risadas do leitor. A forma como Mike lida com a cultura no planeta terra, seu processo de aprendizado e sua inocência são fatores que geram muita descontração.

Além de todo esse conteúdo crítico e instrutivo, o livro é de longe, um marco na Ficção Científica. A sociedade especulada por Heinlein possui bastante semelhanças com a nossa em termos não apenas de comportamento humano, mas tecnológico e alguns que, sem sombra de dúvida, ainda serão alcançados.

Um Estranho Numa Terra Estranha só aumentou a minha estima pelos clássicos, que conseguem surpreender tanto quanto (ou mais que) os lançamentos mais recentes. Além disso, confirma também a minha admiração e respeito pelo ato da leitura e o reconhecimento de sua grande importância da vida de cada indivíduo.

Por Henrique Magalhães

2 comentários:

  1. Ois Henrique,

    Aqui está um livro que quero muito ler, tenho mesmo que encontrar depois de ler este excelente comentário, a ver se na feira do livro encontro sem duvida.

    Um dos grandes clássicos de FC

    Abraço e continua com essas resenhas fantásticas :)

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  2. Gente, como ainda não li esse livro? Tsc tsc. Obrigada pelo excelente artigo, Henrique. Mais um para a listona. Abraços!

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