Resenha: Os Deixados para Trás, de Tom Perrotta

Depois de assistir ao piloto da série televisiva The Leftovers, baseada na obra escrita por Tom Perrota (Os deixados para trás), mais conhecido no Brasil pelo livro A Professora de Abstinência (Benvirá), decidi ler o livro antes de seguir vendo a série. O livro já estava em minha lista interminável de leituras e inesperadamente assumiu a linha de frente. O devorei em algumas sentadas.

O Arrebatamento está longe de ser o tema central em Os Deixados para Trás, pelo contrário, os efeitos devastadores de um fenômeno inexplicável que, repentina e subitamente, sobrevêm às sociedades humanas, assim como a reação de cada indivíduo a esse evento são o foco da narrativa de Tom Perrotta e é o que o autor tem de melhor para nos oferecer. É imprescindível que o leitor tenha isso em mente. O teor sobrenatural reside apenas no desaparecimento indiscriminado de indivíduos em um 14 de outubro qualquer, um evento que desencadeia nos Deixados para Trás uma série de sentimentos e emoções que os levam a atitudes que nos fazem pensar no quão despreparados estamos para lidar com situações inexplicáveis e repentina, seja em nossa vida pessoal ou em sociedade.

O Deixados Para Trás

O dia 14 de outubro ficou conhecido como o dia da Partida Repentina, quando um grupo de seres humanos desapareceram, deixando todos para trás. Homens e mulheres; crianças, jovens e idosos; famosos, criminosos, religiosos, ateus ou alcoólatras. Um grupo de pessoas com características, ideais e personalidades diversos, não deixando margem para uma "escolha" padronizada ou seleta, simplesmente desaparecem, sem explicação, deixando o mundo inteiro em perturbadora ignorância.

A dor da perda, a ausência de respostas exatas e o ser deixado para trás, são alguns dos fatores desencadeadores de transformação na vida de indivíduos. Na trama, Tom Perrotta concentra-se no povoado de Mapleton, colocando-nos diante da comoção que a Partida Repentina causou três anos após sua ocorrência.

Os Remanescentes Culpados

Para um grupo de indivíduos, é inevitável não aceitar que a Partida Repentina foi o cumprimento da profecia bíblica em torno do Arrebatamento Secreto, que afirma que no fim dos tempos, os vivos que permaneceram fiéis a Deus seriam arrebatados, isto é, levados da terra. No entanto, entre os deixados para trás estão também uma multidão de pessoas que aguardavam e preparavam-se para tal evento, preparo esse que acabou se mostrando inteiramente vão, dada a imparcialidade na "escolha" dos desaparecidos.

A forma como alguns religiosos reagem a esse abandono é um dos aspectos trabalhados por Perrota, afinal, em um evento como esse, muitos religiosos estariam entre aqueles que mais se manifestariam a respeito, apresentando suas versões dos fatos e pregando a brevidade do julgamento divino. Então surgem Os Remanescentes Culpados, um grupo de pessoas que acreditam que a Partida Repentina foi o Arrebatamento bíblico e que é seu papel serem Lembranças Vivas do evento, para que o mundo não se esqueça do julgamento por vir. A atitude desses indivíduos é extremamente fanática, desesperada e perigosa. Como são um dos poucos que estabelecem parâmetros para o evento, eles acabam por atrair aqueles que estão desesperados por explicações, por respostas. Ao receberem o evento como intervenção divina, os Remanescentes Culpados se colocam na posição de responsáveis para preparar o terreno para o juízo divino, mas seus ideias acabam por se tornarem cada mais perigosos.

Por fim...

Vale ressaltar que esse é um livro bastante descritivo, como capítulos inteiros de descrição (aspecto do qual gosto muito). Isso deve-se ao fato de o autor ter como propósito principal colocar diante do leitor o estado interno dos personagens, os mecanismos que os movem a reagir como reagem ao fenômeno sem explicação aparente.

Sei que essa análise ficou um tanto sinoptizada, mas, espero que tenha sido de valia para você, querido leitor. Até a próxima análise.