terça-feira, 13 de outubro de 2015

Resenha: A Salvo de Nada, de Olivier Adam



Marie é a personagem que protagoniza o romance escrito pelo francês Olivier Adam. É através da narrativa em primeira pessoa que veremos todos os cenários e acontecimentos que compõem a história que Marie tem para contar. Caminharemos por sua mente, conhecendo profundamente suas lembranças, reflexões, emoções e desejos. A mente de uma dona de casa desempregada e mãe de duas crianças - Lise e Lucas -,  imersa em uma rotina que a sufoca e a angustia. Uma personagem cuja companhia tende a ser, para o leitor, crescentemente desconfortável, incômoda, ao lado da qual não será tão fácil andar.

Enquanto seu esposo (Stéphane) trabalha como motorista em um ônibus escolar a fim de manter a família, Marie está cada vez mais afundando em uma apatia, que a ameaça tomar por inteiro. Marie não consegue estar feliz ao compor as "milhões de casas idênticas com fachadas brancas, bege ou cor-de-rosa... milhões de televisores ligados nas salas Conforama... milhões de homens e mulheres invisíveis e sufocados, vidas imperceptíveis e esfaceladas. A vida banal dos loteamentos modernos". A depressão começa a se interpor entre Marie e a realização das atividades diárias da vida de uma dona de casa, tais como cozinhar, lavar, passar, cuidar e regar o jardim, e mesmo os afazeres  mais urgentes, como levar e buscar as crianças na escola, começam a ser frequentemente esquecidos, ignorados ou a não receber a devida atenção. Mas não são apenas suas reflexões a respeito da futilidade de uma existência fabricada que a esmagam, mas o equilíbrio abalado pela morte de Clara, sua irmã, em um acidente de carro, quando Marie era ainda adolescente.

Olivier Adam utiliza em praticamente todo o romance um recurso literário conhecido como "fluxo de consciência", que rompe a linearidade narrativa, o que explica a ausência de pontuações em vários momentos do texto. Desta forma, somos inseridos em um clima de urgência que configura muitos dos momentos em que a personagem se encontra. As reflexões que Marie faz jorram de sua mente como  jatos de sangue de uma artéria rompida.

Após um incidente envolvendo um problema no carro, enquanto voltava com Lucas para casa, Marie recebe ajuda de um homem chamado Jallal, um dos imigrantes ilegais que haviam saído ou fugido de seu país de origem e adentrado ilegalmente na França, para a partir de então tentar a difícil jornada até a Inglaterra, expostos a toda sorte de perigos. São os kosovares, como costumam ser chamados, mas que, na verdade, muito poucos são kosovares, tendo entre os imigrantes curdos, sírios, eritreus, etíopes, iranianos, iraquianos, entre outras nacionalidades. Eles dormem em bunkers, chalés, no parque, ao longo da avenida principal ou perto da estação. Muitos são brutalmente espancados por policiais e civis, passam fome e frio. São odiados e estigmatizados por grande parte da população, pela mídia, pelo governo. Neste ponto, o autor introduz em seu romance um elemento que tem sido uma polêmica realidade, especialmente na União Européia: a imigração. Marie então se envolve com os refugiados, expondo-se à ricos que podem lhe custar a liberdade e mesmo a vida.

Marie muitas vezes cruzou com os "kosovares", sem nunca trocarem uma palavra ou um olhar. Poucos dias depois do incidente com o carro, ela alista-se como voluntária e começa um processo de distanciamento cada vez mais profundo com a própria família, passando praticamente o dia e a noite fora de casa.

"Eu senti que os meus filhos estavam agora separados de mim por uma parede de vidro. Eu poderia sempre olhá-los, mas nunca tocá-los ou falar com eles. Eu tinha me tornado estrangeira."

A partir destes momentos de contatos direto com a realidade cada vez mais subumana e desoladora dos imigrantes ilegais, Marie começa a restabelecer-se, a encontrar algum significado para a sua vida, a sentir-se realmente útil. "Eu pensei no horror de viver na sujeira, assim na rua fria e nos olhares das pessoas, na vergonha, no terror..."

A salvo de nada nos insere em uma realidade apenas observada na superfície, artificialmente, por meio de notícias de telejornais ou sites de notícias na internet. Olivier Adam, por meio de personagens bem construídos, particulariza as vidas por eles representadas, as humaniza por meio de sua abordagem e revela ao leitor, por meio de uma proximidade que estarrece e choca e faz borbulhar a empatia dentro de nós, a dor de estar a salvo de nada.

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