sábado, 19 de dezembro de 2015

Resenha: The Magicians - Unauthorized Magic (PILOTO)

   Okay respira, Henri!. Vamos lá!

   Acabo de assistir ao piloto de The Magicians e (um enfático“e”!), a impressão que tenho é a de que eu poderia me acomodar confortavelmente em uma poltrona, tendo ao lado uma jarra de suco detesto chá, e discorrer longas horas de considerações acerca dos 30 segundos iniciais da série. Dos 30 FUCKING!! segundos iniciais! Okay, o suco teria que ser de maracujá.

   Notem que vou precisar resistir ao impulso de me debruçar indefinidamente acerca do quão significativas foram as cenas de abertura. Mas permitam-me puxar um pouco da corda desse quilométrico rolo de barbante que é a abertura da série. Para não me demorar em descrições, selecionei algumas imagens e as distribuí abaixo na ordem em que surgem no piloto bendito print screen.
*clique nas imagens para ampliar

      

   Basicamente o que temos aqui é pouco menos que 30 segundos de Nova York. Uma infinidade de protuberâncias de concreto, vidro e metal na primeira cena, vista a distância, de fora. Inúmeros dedos cinzentos apontando para o céu. Prédios e mais prédios em uma abordagem horizontal, tendo ao fundo um céu opaco, parcialmente enevoado. Na segunda imagem, em uma visão vertical, ainda de uma ponto externo à paisagem, temos uma das muitas veias e artérias da cidade, fluxo incensante de borracha, metal e gasolina. Mesmo distante, o barulho de mil buzinas consegue lhe alcançar. Por fim,  da segurança de nossos assentos, somos transportados ao interior de Nova York, em uma manhã ensolarada, porém fria, e sabemos estar cercados por prédios e casarões, rodeados por árvores desfolhadas que lançam sombras ao chão da praça. Há poucos transeuntes.

   Eu vou entender inteiramente se você olhar nos meus olhos e me lançar um espontâneo e genuíno "Sim, e daí?". Mas calma, que se você olhar mais de perto, irá notar que o fio desse barbante é composto por uns filetes prateados aqui e outros dourados ali. Você só precisa chegar um pouco mais perto, e notará uma porta sem atrativo algum em um canto desinteressante da praça. Se você forçar apenas um pouco os seus olhos, vai notar que há uma luminosidade estranha escapando por algumas frestas dessa porta, uma luz que não deveria estar ali e que, definitivamente, não cabe nesse ambiente. E, até que a porta se abra, e ela há de se abrir (e note que eu não disse ser aberta), você dificilmente deduzirá que essa é a luz de um sol que parece iluminar mais que o nosso, um sol mais real, que faz com que esse que conhecemos pareça artificial, uma cópia barata pendurada em um universo tão barato e artificial quanto, e que já deveria ter caído em desuso. Um sol que um dia já foi nosso.

   Para os amantes de Literatura Fantástica e, de modo geral, para os amantes de literatura (existe paixão maior?), a metáfora é latente: existe um mundo melhor, um mundo que já foi o nosso e que não pudemos vivenciar, um mundo que não foi tocado pelos dedos que acinzentaram o ar que respiramos, a nossa realidade, a nossa vida. E não estou falando aqui de promessas, estou falando de "agoras", de coisas que já são. Existe! Os livros são essa realidade, ou a recuperação de uma realidade antiga, de coisas enterradas no inconsciente, essa simulação de outras vidas, de outros "possíveis". E a fantasia funciona como uma espécie de toque de midas em relação aos livros, as histórias. Com o elemento fantástico, o livro, potente por natureza, ganha uma carga a mais, uma luminosidade a mais. É a fantasia que nos faz enxergar uma árvore em suas inúmeras possibilidades, ela é mesmo capaz de nos metamorfosear em árvore, e a sensação é de que você está ligado ao universo de forma que cada elemento parece conter você e você parece estar em cada elemento. Um véu de poeira tóxica e radioativa é eliminado, então tem-se a impressão de estar a ver os elementos e objetos que conhecemos pela primeira vez. A literatura fantástica é essa porta através da qual o sol brilha mais forte, você só precisa se ater aos fios de prata e aos fios dourados, seguir a trilha.

   Bem, vou estancar essa hemorrágica abordagem apaixonada mais específica por aqui e me ater à experiência de acompanhar o piloto da adaptação dessa que é uma série de livros ao mesmo tempo amada e odiada. Em alguns casos, amada e odiada pelos mesmos indivíduos. A série estreará em janeiro e foi produzida pela SyFy, que exibiu o piloto em 6 de dezembro, na Comic Con de Portugal.

   Sob o título "Unauthorized Magic" (em tradução livre, Magia não Autorizada) , o piloto apresenta ao telespectador um Quentin prestes a ingressar em uma universidade e com problemas patológicos de socialização, necessitando administrar medicações antidepressivas. A obsessão do personagem pelos livros de Fillory (uma série de fantasia que é um equivalente literário aos livros de Nárnia, de C.S.Lewis) e por truques de mágica é exposta nos momentos iniciais do episódio, por meio flashbacks que alternam entre o momento da trama no qual Quentin está sendo consultado por uma médica em uma clínica de saúde mental, e cenas do tempo presente da trama que se desenrola em uma festa, na qual a dificuldade do personagem em lidar com outras pessoas é evidenciada, cumprindo bem o papel de nos introduzir na realidade psicológica da personagem. Ainda nesse momento, em diálogo com a médica, Quentin revela possuir dificuldade sérias de concentração, episódios em que lhe falta o ânimo necessário para comer ou levantar, como se não pertencesse ao mundo em que vive.


"Quentin, você não estava depressivo. Estava sozinho. E você não é louco. Está com raiva. E você está certo. Todos se medicam lá fora. Aqui, esperamos que não precise."

   Julia, personagem que parece ser uma das poucas que conseguem aterrissar com segurança no ambiente para além das dificuldades de interação de Quentin, de quem é melhor amiga, receberá atenção especial no piloto e, ao que tudo indica, nos próximos episódios, já que possui um arco bastante relevante e de grande abordabilidade. Diferente de Quentin, Julia é uma jovem equilibrada e madura, que parece não ter qualquer dificuldade em lidar com a realidade tal qual ela se apresenta, considerando-se mesmo responsável por ajudar seu melhor amigo a amadurecer e lidar melhor com as coisas do mundo real, o mundo adulto.


"Você é uma criança, com uma vida pela frente, e tem essas noções sobre o que a vida é e o que poderia ser. Mas, eventualmente, precisa deixar tudo isso ir. É o que sou. É o que estou fazendo. É parte do crescimento vender a coleção de quadrinhos e ficar sério."

   Inúmeras alterações foram feitas no processo de adaptar o livro para a pequena tela, e ainda não consigo avaliar se esse é um elemento favorável, dado que um dos eventos mais importantes da narrativa literária foi introduzido já no primeiro episódio, quando na obra literária foi-se construindo todo um cenário e estado para que a cena pudesse emergir, de modo que perde-se os efeitos dessa demora sobre o espectador. A sensação que eu tive foi a de que os responsáveis pela trama televisiva tentaram reunir certos elementos importantes distribuídos pela trama literária e inseri-los no piloto a fim de garantir o interesse do telespectador, e com isso, abriram mão dos efeitos causados pelo elemento "demora", que, segundo Umberto Eco, e eu concordo, é muitas vezes útil para proporcionar uma experiência mais intensa.


"Quentin, você gosta daqui? Você tem a sensação de que é especial? Quer voltar para a Columbia? Para aquela, sem sentido, marcha até a morte que chamam de vida? Família que nunca liga e amigos que não te entendem? E se sentir sozinho e errado até isso te destruir?"

   De qualquer forma, acredito que o piloto dá margem para desenvolver com mais paciência a trama e trabalhar melhor alguns personagens, bem como os cenários e elementos que compõem a Universidade, que até o momento não receberam muita atenção e que são pontos fortes dos livros, como Penny (que sofreu uma completa descaracterização em relação aos livros), Eliot e Alice.


    
   Cenas como a da foto acima deixam claro que os personagens da trama serão retratados também na dimensão sexual, e não apenas heterossexual. Trata-se, portanto, de uma série com abordagens adultas, voltada para um público maduro. Convém citar que estamos diante de um universo em que jovens de personalidades, as mais divergentes, são inseridos em uma universidade onde aprenderão magia, e magia, neste universo, é uma prática perigosa, dada a rigidez requerida pelos gestos manuais e pronúncias e entonações vocais. Esse caráter obscuro da magia é também evidenciado ao fim do primeiro episódio, numa cena que pode se tornar uma das mais memoráveis e impactantes.


"Não posso ir para Yale sabendo que esse lugar existe."

   Algumas cenas de magia revelam um pouco da dinâmica da mesma no universo da série. E sendo o sistema de magia criado por Grossman um ponto forte desse universo, é natural que os fãs anseiem por demonstrações mágica, o que surge em dose certa no piloto.



   NOTA: 8,8/10. Espero que os próximos onze episódios recebam alguma dose de paciência, sem precipitações. Acredito que personagens psicologicamente consistentes, convincentes, sejam tão fidelizadores de audiência quanto mistérios a serem respondidos. O universo criado por Grossman é incrível e vasto, especialmente a abordagem que traz como foco de abordagem a personagem Julia. Esperemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário