quinta-feira, 25 de julho de 2013

Análise: Fogo de Dente-de-Leão, de N.D. Wilson


"Eles definitivamente não estão mais no Kansas ou neste mundo. O que se esconde dentro dos armários pode ser perigoso..."

Fogo de Dente-de-Leão foi tudo o que eu não esperava para a sequência de 100 Armários e foi, também, exatamente o que eu estava precisando: um livro de fantasia com conteúdo original.

Em 100 Armários a criatividade (indispensável à uma boa história de fantasia) de N.D. Wilson é um componente que pode ser percebido em um único capítulo por meio de sua escrita, diálogos entre seus personagens,
os personagens em si, suas paisagens e os conflitos, ações e atitudes de cada elemento da obra, sua sabedoria, entre outros. Só posso afirmar que, de uma forma inesperada e verdadeiramente incrível, ele elevou esse talento a um nível muito mais alto enquanto guiava o destino de Henry no segundo livro dessa trilogia de caráter único e encantador.

Em Fogo de Dente-de-Leão, N.D. Wilson guia o leitor nos palmíferos solos férteis da Alta Fantasia!


                                                Este é um Ragante, um dos seres apresentados no livro 100 Armários


A sequência inicia exatamente onde Wilson havia terminado. Henry e sua prima Henrieta haviam descoberto a existência de pequenas portas, ou armários, na parede do sótão onde Henry dormia, e souberam que elas conduziam a outros lugares. Eles haviam encontrado a resposta à questão de como usar o mecanismo que acionava os armários e, após uma série de eventos imprevistos, ambos se viram em mundos e realidades que demonstraram não ser bem aquilo que eles estavam esperando. Um mal, dominado e subjugado, conseguiu a liberdade como resultado da intervenção dos garotos e foi exatamente nesse ponto que o mundo começou a desabar. De repente, todo o Kansas estava em perigo, pois a casa dos Willis abrigava uma perigo de proporções mortais. Após uma experiência que quase os matou, ainda que feridos, sobreviverem às investidas de Nimiane, uma espécie de bruxa-parasita. Dotts e Frank, tios de Henry, decidiram vetar o acesso aos armários e nunca mais utilizá-los.
 

Mas há algo em Frank e Henry que muda para sempre o rumo das coisas, em nosso mundo e em outros. Um desejo, um sentimento forte que opera uma mudança extrema, trágica, que os farão trilhar a estrada da morte e da perda, andando por caminhos onde o mal tem muita força e poder e não há nenhuma regra na qual o bem encontre base para uma vitória certa.

Frank não é deste mundo, mas durante muito tempo esteve preso aqui, jamais conseguindo voltar para o seu lugar de origem. Um evento ocorrido em sua infância o obrigou a viver uma vida que não deveria ser a sua, em um mundo que nunca foi o seu. Mas alguns desejos estão profundamente enraizados e voltam à tona com alguns estímulos, incontroláveis. Esse sentimento de não pertencimento, de desterro, é reprimido por Frank, porém nunca erradicado.

Henry sente algo semelhante, com uma única diferença, ele nunca soube que também não era daqui. Seus pais não são seus pais e seu mundo não é seu mundo. Mas lá no fundo, essa informação o faz feliz. Diante desse fato, estar num mundo que não o seu é estar perdido, longe de tudo que você é, ou, no caso de Henry, que poderia ser.

Como sentir saudades de lugares em que você nunca  esteve e de pessoas que jamais conheceu? Como leitor de fantasia, é assim que me sinto com relação as realidades presentes nas literaturas desse gênero. O desejo indomável de Henry para voltar para o lugar que é seu , mesmo sem nunca o ter conhecido de fato, é o que o amante da fantasia sente com relação a realidade limitada que nos cerca. A natureza, o Universo e todas as suas incríveis belezas são meio.

Henry está tentando encontrar uma forma de voltar para Badon Hill, um dos lugares que podem ser acessados pelo armário, e o único que despertou nele a sensação de que, durante toda sua vida, era esse o lugar em que ele sempre deveria ter estado. No primeiro momento em que esteve ali, Henry desejou nunca mais voltar. Agora, sem a chave do quarto do seu avô, voltar para lá não seria possível.

Até ele ser atingido por um raio e receber a marca de um dente-de-leão em sua mão.

O segundo livro da série 100 Armários, apesar de destinada ao público juvenil, é um livro com uma trama complexa e bastante obscura.

COMPLEXA: Fogo de Dente-de-Leão é uma estória/trama bastante complexa. Sim, bastante. Em 100 Armários temos uma estória que é facilmente compreendida, pois trata-se de um livro no qual seremos incluídos em uma nova realidade com suas próprias regras, logo, recebemos uma quantidade razoável de informações para começar a compreender alguns fatos, com apenas alguns ganchos deixados para o livro seguinte. Nessa sequência temos um Henry que começa a passar por uma experiência, um fenômeno de mutação mental, sensitiva e corporal, e os personagens desconhecem o porque e o que seja, desse modo, nós leitores também teremos de lhe dar com o fato de não entendermos alguns fatos a respeito desses fenômenos. Além disso, os personagens de N.D. Wilson não fazem o tipo que saem revelando todos os seus planos e projetos antes de levar a cabo seus desígnios, é preciso "catar" as informações e "juntá-las". Um quebra cabeças que vai sendo montado até o último capítulo. O segundo livro trás mais questões a serem respondidas que o primeiro, mas o número de respostas é bastante satisfatório, deixando alguns ganchos para um terceiro livro (que espero, seja em breve publicado).
Um último ponto são os personagens novos, que vivem em um novo mundo, com costumes novos, comportamentos novos e uma forma de expressar-se nova, é é preciso também ir-se adaptando, recolhendo impressões, ações e expressões, para que haja uma compreensão, ao final, do todo.

OBSCURA: É, ao mesmo tempo, uma trama obscura. Como pode-se notar já na capa do livro, a atmosfera é negra e pesada. Está sempre ocorrendo algo ruim, com relação aos personagens centrais, envolvendo medo, dor, desespero, em especial, ao protagonista Henry, que é bastante torturado física e psicologicamente. Não há descrições pesadas ou sádicas, e sim superficiais, mas em uma quantidade nem um pouco superficial. Pode-se considerar que quase todo o livro é banhado em um clima tenso, onde atitudes cruéis estão sendo praticadas. A ausência de um grande homem, tido por muitos como morto, conhecido por exercer controle sobre o mal por meio de sua força e despertando temor, é o que desperta a ousadia para o mal atuar sem limites. Mas as coisas sempre podem mudar de forma inesperada.

O NOVO: Os amantes de fantasia que desejam uma aventura nova já podem satisfazer os seus desejos. O mundo de fantasia criado por Wilson traz não só personagens bastante carismáticos, mas seres originais. Originalidade é um dos problemas enfrentados pelo gênero de Fantasia. Autores que criem uma realidade nova, um mundo que se sustente por si só, com regras bem estabelecidas é bastante raro. Wilson é essa raridade. Ele cria, com suas palavras e sua forma singular de expressá-las, o seu mundo único, com suas regras. Não espere encontrar o familiar na obra de Wilson, você não verá. Suas paisagens, suas magias, seus "bruxos" são bastante distintos e realistas. Eu preciso unir a minha voz ao coro de leitores deste homem e confessar: Trata-se de um evento magistral na literatura contemporânea, com qualidade de clássico.

Em busca por respostas, e em meio a tantos acontecimentos simultâneos e situações fora do controle, Henry tenta entender os eventos que estão acontecendo com ele e descobrir em quê ele está se transformando. Então ele descobre que possui a segunda visã, e pode ver a verdadeira natureza das coisas. Longe de todos que um dia conheceu, de seus supostos pais, do Kansas, de seus tios e primas, ele precisa encontrar uma forma de sobreviver em um mundo negro e escuro, onde confiar em alguém é uma decisão que pode custar a vida, e não apenas a sua.

Henry também vivencia momentos especiais, maravilhosos pode-se dizer, onde alguns mistérios da vida lhe são revelados, coisas grandiosas além de encontrar pessoas a quem poderá chamar de amigos. Ele descobre possuir uma ligação especial com alguns elementos da existência, um dom que lhe foi legado pelo seu nascimento e nos momentos em que essas cenas são descritas no livro, há um peso filosófico nas cenas, momentos para reflexão, de sabedoria e magia, onde o autor emprega analogias que contribuem para o crescimento e amadurecimento de seu personagem.

Há, muito superficialmente, algumas alusões a personagens, eventos e costumes bíblicos na obra, o que é esperado de um autor religioso, mas que não interferem em nada em seu caráter fantástico e que não atribuem ao texto um caráter evangelístico, são mínimas alusões que, talvez, mal serão percebidas. Como possuo algum conhecimento, pude notar essas presenças.

Apesar da extensão da resenha, ainda há muito por ser dito sobre este livro magistral. Mas, irei me deter por aqui, confessando que penso que todos merecem ler uma boa história. E essa é, sem dúvida, uma história muito boa.


Resenha por Henrique Magalhães.

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