quarta-feira, 12 de março de 2014

Análise: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley


Entre os livros mais proibidos ou censurados em alguns países, está Admirável Mundo Novo.

Para os que viveram nos anos que se seguiram ao de 1932, Admirável Mundo Novo foi, quase que literalmente, uma janela pela qual eles puderam vislumbrar aspectos da sociedade em que eu e você vivemos. Uma viagem ao futuro, nosso presente. Uma profecia assustadoramente concretizada.

- Quinto livro na lista dos 100 melhores livros da língua inglesa do século 20, pela Modern Library.


- Número 53 no top "100 maiores romances de todos os tempos", pelo The Observer.

Como até mesmo o título do livro tem história para contar, melhor começar a abordagem por ele. O título do livro retirado de uma frase pronunciada pela personagem Miranda, no grandioso A Tempestade, de Shakespeare. Logo após conhecer pessoalmente os homens "civilizados", Miranda expressou seu entusiasmo com a frase: "Oh, admirável mundo novo, que encerra criaturas tais". Note que a frase também pode expressar medo, terror, assombro.



Sobre a Obra

Londres, 632 AF (antes de Ford) - 2540 em nosso calendário.

O número de habitantes do planeta é restringido ao máximo de 2 bilhões, por meio de uma política criada para esse fim. A família como a conhecemos não existe e seu conceito é ridicularizado. Não há mais casamentos, tendo em vista ser a gravidez encarada não apenas como desnecessária,  mas também obscena. Os seres humanos são "criados" em laboratório, em incubadoras e centros de condicionamentos, divididos em castas e pré-determinados a seguirem determinado papel nas camadas econômicas do Estado Mundial.

No processo fabril dos seres humanos, fetos escolhidos para assumirem papéis elevados permanecem em incubadoras ("tubos de decantação") até se desenvolverem completamente. Eles são frutos de um único óvulo fertilizado. Já os fetos escolhidos para desenvolver papéis tidos como não tão importantes, pertencendo assim às castas mais baixas, sofrem interferência química para atrofiar o desenvolvimento corporal e mental, e são resultado da técnica Bokanovsky , que permite um único ovo desovar até 96 crianças idênticas (!!!).

Nessa sociedade (terrivelmente semelhante a nossa), as pessoas são condicionadas na infância e na adolescência por meio da exposição à gravações de áudios durante o sono, que lhes influencia mediante centenas de milhares de repetições, embutindo em suas mentes o condicionamento que envolve comportamentos e crenças. Logo, para estes indivíduos, ser feliz será viver dentro dos critérios que estão inseridos nesse condicionamento, que vária de casta, para casta. 

A sociedade imaginada (profetizada?) por Huxley prega a felicidade pelo prazer, isto é, satisfação dos desejos (em especial, os sexuais), o cumprimento dos seus papéis na sociedade (os quais os indivíduos são condicionadas a atribuírem como elemento que contribui para a felicidade e estabilidade social) e o uso de alucinógenos que expulsem a tristeza e maus pensamentos. Não há religião e desde a mais tenra infância as crianças são induzidas à vivenciarem experiências sexuais e a indiferença ao sofrimento alheio, como a morte, que é encarada pelos membros da sociedade como uma realidade tão natural e indigna de nota quanto o ato de respirar.

Admirável Mundo Novo e Sua Aplicação na Vida Real

+ A Família Ruída




Uma sociedade em cujo solo não ha espaço ou nutrientes para o crescimento da família. Uma sociedade em que o ar é tóxico ao afeto, à confiança. Qualquer semelhança NÃO é mera coincidência.

Com o avanço científico e suas ininterruptas descobertas e criações, a vida cotidiana se viu repleta de apetrechos e elementos tecnológicos que redefiniu o modo de viver. A família parece estar cada vez mais à margem dessa "evolução". Família, uma palavra que parece não caber no contexto, arcaica, morta.

Por família, me refiro aos princípios que são próprios da convivência entre dois ou mais indivíduos que decidiram encarar os problemas e desfrutar das felicidades da vida juntos. A convivência, por si só, requer respeito e, por si só, é didática. Ela nos ensina, pela experiência, moral, respeito, erros e acertos. Uma espécie de célula que se auto sustenta e que reage aos eventos externos retirando dele o necessário para sobreviverem, sempre unidos, sempre juntos, sempre! A família tem o poder de durar e fazer durar cada um de seus componentes. Ela tem a capacidade de confortar, de cuidar, proteger, de servir de ponto de partida, de campo de treinamento, de simulação para a vida do "outro lado".

No entanto, vivemos em um mundo frio, há pouca interação entre os membros de uma família, há pouca compreensão e cada um parece pertencer a uma célula ou núcleo diferente. Em casos mais sérios e cada vez mais recorrentes, as família parecem compor-se de inimigos. Em um mundo marcado pela desigualdade, pela falta do necessário e aumento das superficialidades, pela dor e pelo medo, quando a família deveria ser mais que nunca unida, ela tem se desintegrado. Os interesses e as prioridades inverteram-se, o homem é mais máquina e menos organismo. E num mundo de máquinas, a família não encontra os elementos para perdurar, restando então a sua ruína, a total reconfiguração.


Uma maneira de deter essa desagregação e desumanização é o cultivo da constante reflexão individual, que nos leva ao reconhecimento da gravidade da situação e da necessidade de uma volta brusca de 180 graus, caminhando em nova direção, sem repetir erros do passado, mas distanciando-se um pouco a fim de ter uma panorama maior dos estragos que o presente está deixando de presente para o futuro. Isso, no entanto, não é nada fácil quando os indivíduos já não são tão indivíduos assim.

+ Saber e nada fazer



Em Admirável Mundo Novo, somos apresentados a dois personagens que fazem parte do mais alto estrato social e que se diferem dos outros por um aspecto em especial: eles sabem que há algo fora dos eixos. Sabem e, no entanto, pouco ou nada fazem a respeito disso.

A cantora brasileira Pitty, em seu repertório musical, conta com uma canção inspirada na obra de Huxley, canção que traz como título "Admirável Chip Novo", que faz alusão ao controle mental que vivenciamos em uma sociedade marcada pelo capitalismo selvagem que se alimenta da exploração da maioria em benefício de uma minoria.

(Trecho da canção)
Pane no sistema alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô? 
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo
...
Nada é orgânico é tudo programado

E eu achando que tinha me libertado

Quando nos damos conta (e, acredite, poucos se dão conta) de que somos condicionados, desde o nascimento, a pensar e a agir de determinado modo; de que a mídia, a educação escolar e familiar, as atividades, filmes, músicas e até mesmo livros são utilizados para operar esse condicionamento, há pelo menos três alternativas: 

1 - Aceitá-la tal como ela é e viver nela, dela e para ela, passando a acreditar ser esse o único modo de alcançar a felicidade, dados os confortos oferecidos pelo sistema, e apesar da opressão. Felicidade ditada pela moda e por padrões sociais arbitrários, racistas e desumanos, evitando assim chamar a atenção indesejada daqueles que vivem em conformidade com o sistema.

2 - Não aceitá-la, mas conviver com ela. Saber que está tudo errado, que há injustiças por toda parte, que esse sistema é injusto e que durará se ninguém tomar uma atitude e, ainda que ciente de toda dor e engano que sustentam esse sistema, manter-se inativo, por medo, vergonha ou por simples desânimo e incredulidade de alcançar um estado melhor de coisas. Conformar-se. Dessa forma, ao deparar-se com o inimigo onipresente e diário, irá suportá-lo, servi-lo e, quem sabe, acariciá-lo.

3 - Lutar contra a realidade imposta. Contra a massificação, contra a escravidão psicológica, contra o sistema que dita as regras. A melhor forma de lutar é quebrar o maior número de regras possíveis, tal como o protagonista da obra de Huxley, e chamar a atenção das pessoas cometendo aquilo que elas consideram um desatino, sair da zona de conforto, falar-lhes de sua loucura, de como foram treinadas a pensar e ter preconceito contra qualquer coisa que seja o inverso do que lhes foi proposto. Fazê-las notar que a "liberdade" de que desfrutam é ilusória, um truque de mágica, e que estão sendo vítimas de alienação. Não importa o que vão pensar, podemos mudar o futuro e fazer tremer aqueles que estão no poder. Quando a maioria adormecida acorda, a minoria perde o sono.

Ninguém tem o direito de passar por cima de ninguém para conseguir o que pretende. Cabeças humanas não são e nunca devem ser degraus. Isso é desumano, é injusto e desprezível. E se sabemos que algo está errado e nos mantemos quietos, seremos tanto cúmplices quanto vítimas do desastre que se segue ao erro.

Soma e Sexo



O soma é uma droga que pode vir na forma de pílula ou  gasosa. A droga proporciona satisfação e preenche o indivíduo com a sensação de calma e felicidade, um equivalente aos alucinógenos que temos hoje. O consumo do soma é tão comum na sociedade de Huxley quanto o consumo de água, é uma necessidade, pois "liberta" o indivíduo da tristeza, da decepção, do medo e toda sorte de emoções e sentimentos desagradáveis.

Dois dos personagens centrais, contrariando o status quo,  preferem não fazer uso dessa droga, pois acreditam que ao recorrerem à ilusão substancial, deixam de ser eles mesmos, perdem a própria identidade. Eles encaram o uso do soma como uma espécie de covardia contra si mesmos, incapazes de encarar os problemas e superá-los.

Mesmo sabendo que provoca efeitos colaterais a longo prazo, o soma é mundialmente consumido, e aqueles que não o consomem são alvo de pilhérias e ridicularização.

Acredito não haver necessidade de fazer uma analogia, afinal, em nosso mundo, não estão todos correndo em busca da satisfação física e psicológica em uma adoração ferrenha ao hedonismo?



Um dos elementos mais assustadores no universo criado pelo autor é a exposição infantil ao sexo. Na obra, as crianças conhecem o sexo tão logo aprendem a falar, praticam jogos eróticos e o próprio ato sexual em si. Desse modo elas crescem sabendo que cedo ou tarde poderão desfrutar de prazeres cada vez melhores. Creio que todos já se pegaram perplexos com crianças que demonstram atitudes que evidenciam a sexualização da infantil em nossa sociedade.

Como não há mais necessidade de filhos ou casamento, eles defendem que "todos pertencem a todos" e, por essa razão, sair com vários homens ou mulheres é comum e natural. E eu particularmente não consigo enxergar essa última questão exposta na frase como um problema ou algo vil, pelo contrário, relacionar-se, de forma segura, com outras pessoas soa, para mim, como a mais trivial atitude de humanos adultos e sexuais diante da vida. O problema está no fato de mulheres e o homens terem se transformado em objetos para serem vendidos em todos os formatos.


+ O Selvagem (ou não)



Huxley consegue ser bastante irônico e essa ironia confere um toque divertido em muitos momentos da trama. Isso nos permite encarar a sociedade que ele nos apresenta como uma piada, mas nos damos conta de que é uma piada que nós vivemos, e aí já não tem nem um pouco de graça.

O Selvagem, ou John, é fruto de uma blasfêmia: ele nasceu da relação entre um homem e uma mulher. Em outras palavras, de um processo natural de gestação. Os eventos fazem com que Jonh deixe sua morada em Malpaís, local em que habitam Os Selvagens (pessoas que continuam casando-se, tendo filhos...), e viaje até Londres, onde vivenciará admiração e espanto diante da civilização, que são evidenciados por meio da reprodução que ele faz das palavras de Miranda, personagem que ele conhecera em sua leitura da obra completa de Shakespeare: "Oh, admirável mundo novo que contém criaturas tais".

Temos então o Selvagem em contraste com os Civilizados. A todo instante somos forçados a considerar que os termos estão sendo aplicados ao lado errado, pois é esse denominado selvagem que cita várias passagens de Shakespeare, que não olha para uma mulher como se fosse ela um pedaço de carne a ser devorado, que chora perante a morte e a perda enquanto os outros a comemoram com festejos e comilança; que rejeita a droga e prefere lidar com seus temores encarando-os, que aprecia a lua, as estrelas e o pôr do Sol; que reflete sobre os mistérios da vida e da morte. Esse é o selvagem?

Huxley nos mostra, por meio de John, como é ser incompreendido em um mundo em que a incompreensão é alimentada, em que a verdade não é importante e o que importa é a satisfação, é "ser feliz".

+ Por fim...

... nem preciso dizer que você necessita ler esse livro. Alguns livros tem essa capacidade de nos fazer enxergar o que até então não conseguíamos e essa visão nos gratifica com a certeza de não estarmos atuando como marionetes nas mãos daqueles que pensam que podem dominar o mundo e passar por cima das pessoas.

O livro vai causar uma pane em seu sistema, só não deixe reinstalarem-no depois.

Por Henrique Magalhães.

15 comentários:

  1. Obrigada, amigo, pelo olhar carinhoso com o livro que foi um divisor de águas em minha vida!

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    1. Estou disponível para indicações. Preciso de livros que me esmurrem o cérebro, a mente e a moral!

      Abraços, Ana!

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  2. Você mergulhou profundamente na explicação deste livro.
    Quando eu o li, eu fiquei sem reação. O autor é realmente um grande gênio! E por que não dizer, vidente?

    Minhas Impressões

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    1. Olá, Maria!!

      Sem palavras para esse livro!

      Notei que você faz (ou pensa em fazer) Letras. Lecionei durante alguns semestres, mas me decidi por psicologia. No entanto, super incentivo você! O mundo precisa de leitores!

      Abraços!

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  3. Viva,

    Nunca li pois é distopia mas sem duvida que depois de ler o teu artigo fiquei com imensa vontade :)

    Parabéns e Abraço!

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    1. Paulo, como ela foi escrita há quase 9 décadas, acredito que ela seja diferente das distopias mais modernas.

      Obrigado por estar aqui novamente! ^__^

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  4. Nossa, muito bom! Estou com esse livro na minha estante faz muito tempo, mas to achando que vou fazer ele furar fila haha Desde que fui em um debate sobre Aldous Huxley, morro de vontade de ler esse livro!

    Parabéns pela profundidade (:

    http://pfslivros.blogspot.com.br/

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  5. Parabens! Li esse livro ha muitos e muitos anos atras e confesso, minha visão de mundo nunca mais foi a mesma.....
    Você captou muito bem a mensagem
    " ironica" do autor!

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  6. Acho muito interessante o conceito de mundo criado neste livro inclusive concordo com varias coisas ( fim da religiao, controle de natalidade ) e discordo de outras ( uso de drogas psicoticas e sexualizacao precoce das criancas )


    Acho que a humanidade deveria seguir algo semelhante como um governo global de aspecto ecologico e se necessario totalitario porque o mundo atualmente e tao interligado que exige solucoes globais nao havendo espaco para o egoismo nacional ( economia, cultura etc... )


    Paises isolados somente atrapalham como por exemplo a recusa de varios paises em diminuirem a poluicao enquanto que outros tentam fazer algo contra a poluicao e como analogia o combate a dengue nao adianta eu tentar fazer algo se o outro nao vai fazer algo

    E necessario um governo global antes que seja tarde demais para a humanidade e esta deixe de ser simploria acreditando que consumo, religiao entre outros seja a fonte de felicidade e passe a aprender a viver em paz com a natureza e com si mesmo


    Para isso e necessario extinguir a violencia estrutural existente no mundo ( na maior parte de ordem economica ) e passarmos a nos considerar apenas como humanos e iguais em direitos e oportunidades e eliminarmos o que nos separam ( como religiao, racismo etc... )


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  7. Estou lendo o livro e vejo a distopia como a esquerda vem doutrinando parte da população, principalmente as crianças, repetindo as asneiras mais absurdas até transformarem em "verdade", fazendo lavagem cerebral.
    Paradoxalmente tentando dividir a sociedade com a falsa intenção de igualdade, pedindo a liberação de drogas, banalizando o sexo e a família.

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  8. Só uma correção: Não foi o capitalismo que desfigurou a família e sim Antonio Gramsci para que fosse possível a implantação global do socialismo selvagem.

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  9. Só uma correção: Não foi o capitalismo que desfigurou a família e sim Antonio Gramsci para que fosse possível a implantação global do socialismo selvagem.

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