domingo, 2 de março de 2014

Análise: Jonathan Strange & Mr. Norrell, de Susanna Clarke


Como convencê-lo a ler um Épico da fantasia com quase mil páginas?



A primeira vez que tive contato com o livro Jonathan Strange & Mr. Norrell foi em uma de minhas andanças pelas livrarias da cidade e o que me chamou a atenção, além da capa (essa versão logo acima /\ ), foi a densidade do livro. Eu tenho um justificado e compreensível interesse por livros densos, com páginas e mais páginas, principalmente quando se trata de um livro de Fantasia ou Sci fi. Em toda minha vida de leituras, os densos nunca me decepcionaram. Para mim eles funcionam como uma viagem que dura mais tempo que o comum, que me permite horas e horas diante da janela, observando todo tipo de paisagem, toda sorte de pessoas, todas espécie de situações. Com deliciosas e saudosas 882 páginas, Jonathan Strange & Mr. Norrell é uma raridade digna de ser lida por sua originalidade, que está cada vez mais difícil de encontrar.

Você definitivamente NÃO vai poder comparar este livro com as obras de Tolkien ou C.S. Lewis em termos de enredo, de universo fantástico, de elementos fantásticos, pois não existe um paralelo. A Susane conseguiu criar seu universo complexo, criativo e original. Se existe alguma semelhança entre estas obras, ela reside apenas na qualidade da escrita e na originalidade e potência dessas obras.. Trata-se de um livro para devorar, favoritar, recordar.


Sobre a Grandeza da Literatura Fantástica - Uma Visão Pessoal


A fantasia é o alicerce da (minha) realidade. - L. L. Santos


A literatura fantástica é, de longe, o gênero literário com o qual mais me identifico. É um dos elementos mais importantes em minha vida, faz parte de mim, é uma necessidade, um auxílio, um escape, um alimento, um conforto, uma biblioteca infinita em conhecimento, uma oportunidade sem igual de conseguir o estímulo, as ferramentas e a sabedoria necessários para continuar encarando a realidade do mundo. A fantasia evoca algo antigo, uma essência esquecida e preservada no subconsciente, é como se ela trouxesse de volta uma era da qual todos os seres humanos sentem saudade, um tempo em que a vida era mais "mágica", em que as atitudes e as palavras possuíam significado palpável e vinham acompanhadas de poder, sabedoria, benção, bálsamo.

Por esses e outros motivos, estou diariamente envolvido com a fantasia. Mas há também a leitura em si, e o que ela representa e significa. A prática da leitura é indispensável. Um país democrático precisa dotar seus habitantes com a capacidade de ler e interpretar, feito isso, o indivíduo poderá fazer uso dos livros para crescer em seus diversos papéis na sociedade. Se avaliarmos a cronologia da história humana, encontraremos uma divisão entre a História e a Pré-História, esta última marcada pelo surgimento da escrita, um fenômeno social essencial e divisor de águas na trajetória da humanidade. Ler é interpretar-se, interpretar a outros e o mundo que nos cerca.

Ler fantasia é potencializar as experiências que a leitura por si só já é capaz de oferecer.

Antes de continuar, vamos à sinopse*:


*realizei algumas ALTERAÇÕES na sinopse, por conter spoilers.

A prática da magia foi considerada extinta da Inglaterra desde os tempos medievais do Rei Corvo. Em 1806, aqueles que se intitulam magos são apenas estudiosos da história da magia. Mas, um dia, dois desses magos teóricos resolvem investigar os motivos do desaparecimento da magia. E assim conhecem Mr. Norrell, um mago recluso que desafia a todos ao mostrar seus poderes. Para provar que a magia ainda existe, Mr. Norrell reúne os magos teóricos na catedral de York e realiza um prodígio, como até então os magos baseavam-se na pura teoria, o feito foi uma demonstração de que de fato a magia é real. Mas, por que motivo não praticá-la? Em troca de seu ato, exige a imediata dissolução da Sociedade de Magos. Agora com fama e poder, ele abandona a reclusão e vai para Londres, onde colabora com o governo no combate a Napoleão Bonaparte. Começa então a colocar em prática seu plano secreto de controlar a magia na Inglaterra. Tudo vai bem, até o momento em que seu discípulo, o arrogante e impetuoso Jonathan Strange, resolve se rebelar contra a visão restrita de Norrell sobre o lugar destinado à magia. Strange decide seguir seu próprio rumo como mago e resgatar os poderes do lendário Rei Corvo, mas acaba colocando em risco a si próprio, aos que o cercam e à toda a Inglaterra.
Sobre o Livro  Jonathan Strange & Mr. Norrell


Quanto a classificação, o livro é um Low Fantasy, pois a história se passa, em grande parte, no mundo real, havendo também alusões a outros mundos e relatos breves de personagens nesses mundos.

Não pretendo revelar nada a respeito do enredo ou trama, mas sim um pouco sobre a qualidade da obra como livro de fantasia e o significado que essa leitura teve para mim.

Não importa quando você tenha encontrado a fantasia, se na infância, adolescência ou vida adulta, o consenso é o mesmo: "Esse negócio é muito bom!", e se você der a sorte de começar com o pé direito então "Isso é poder!". O ser humano tende sempre a recorrer a algo mais, seja por diversão ou para encontrar um sentido, às religiões e inúmeras crenças ao redor do mundo é um exemplo dessa tendência ao fantástico. Felizmente existem livros com Jonathan Strange & Mr. Norrell e escritores como Susanna Clarke, para saciar, com águas que correm o Tigre e o Eufrates originais, o leitor faminto.

E a leitura desse livro foi exatamente isso, um mergulho em rios que cantam enquanto correm, que dão a sensação de saciedade eterna ao viajante sedento. Susana escolheu um estilo de escrita um tanto incomum na fantasia, para o leitor mais atento, uma mistura de Dickens e Austen.

Comumente vejo pessoas reclamando do caráter descritivo da fantasia, algo como "O Senhor dos Anéis é insuperável, mas o Tolkien poderia ter sido menos descritivo." Se o propósito da fantasia é levar o leitor a uma nova realidade e reerguer a natureza morta, evocar poder e magia, as descrições tornam-se inevitáveis e, quando bem trabalhadas, elas tornam-se relevantes para o sucesso da obra. Se tornam mais necessárias ainda quando o livro aborda um universo diferente do nosso, novos mundos, novas leis, novos seres, culturas... Portanto, é preciso apenas saber apreciar e fazer uso das descrições para enriquecer a experiência que a fantasia nos proporciona.

Personagens

Confesso que a Clarke poderia ter preenchido mais alguns de seus personagens, em especial um dos protagonistas, Mr. Norrel, cujo comportamento ao decorrer da trama nos leva a questionar o motivo de suas atitudes, suas reações ante situações específicas, no entanto é possível, com uma prolongada olhadela, compreender suas motivações.


Longe de personagens clichês, Susanne preenche suas quase mil páginas com personagens carismáticos, como o Drawlight  ou Lasceles, ajudantes de Mr. Norrel e, cada qual, com seus próprios segredos, afinal todos nós temos capítulos de nossas vidas que não gostaríamos de publicar, não é mesmo?

Discordo dos leitores que consideraram os personagens inconsistentes por não reagirem da forma que "qualquer ser humano" reagiria em específicas situações. Um exemplo é o quão pouco a guerra parece afetar a vida e o dia-a-dia das pessoas, é como se fosse apenas uma casualidade. Essa apatia dos personagens em relação a vida em si é o retrato de uma sociedade que vive a base de futilidades, supervalorizando aspectos da vida que entorpecem suas capacidades emotivas. A loucura permeia todo o livro e a única coisa que parece atrair as pessoas é o advento da magia, mas que logo começa a ser tratado como mais uma diversão que o dinheiro pode comprar.

A autora escolheu utilizar notas de rodapé para apresentar detalhes relativos aos personagens ou embasar uma alusão feita à algum tema mencionado em um diálogo entre seus personagens, de maneira que esse pode ser um aspecto ruim para alguns leitores, apesar de inovador. Como vi em algumas outras resenhas, é provável que ela almejasse conferir um caráter histórico-didático ao seu livro.

Afora isso, seus personagens são bastante carismáticos e peculiares, talvez pela extensa presença do fator loucura na estória e pelo pouco significado que a vida parecia ter naquela sociedade cheia de etiquetas e banalidades. Temos também algumas fíguras históricas reais, como Lord Byron, alguns generais, George III, Napoleão, que acabam por caminhar pela trama e conferem um caráter mais "plausível" à fantasia da autora.

Mundo

A magia teórica e prática é uma realidade na Inglaterra e pode ser usada para fins políticos, econômicos e bélicos e já esteve presente em diversas eras, guiando a história da Inglaterra.

É quase unânime a crença da sociedade no que denominam Reino Encantado, um reino sobre o qual pouco se sabe, mas que foi alvo dos estudos de muitos magos escritores famosos, alguns dos quais alegaram já ter estado nesse reino e dialogado com os seres que nele habitam. As pessoas acreditam também que antigamente haviam passagens abertas que levavam do nosso mundo para o outro. O Reino Encantado é de grande relevância para a estória e é um dos elementos que conferem originalidade à obra.

Por fim, recomendo a leitura de Jonathan Strange & Mr. Norrell para qualquer um que queira fazer uma viagem ao um século XIX em que a magia existe e onde outros mundos estão espreitando logo ao lado.

Por Henrique Magalhães

7 comentários:

  1. Olá Henrique,
    Esse livro parece ser muito bom mesmo, ainda não pude lê-lo devido à outras leituras, mas assim q sobra um tempo, eu leio. Parabéns pela resenha, muito bem escrita. :D

    Abraços e boas leituras!!!


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    1. Obrigado, Amanda! Acho que todo mundo já tirou uma foto com um livro, só falta eu!! ;D

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  2. Viva Henrique,

    Bem adorei ler o teu comentário e concordo plenamente contigo este livro é algo diferente e muito bom mesmo, mesmo sendo um pouco descritivo em determinados momentos.

    A ver se passo a frequentar o blog com mais regularidade, já estou seguindo.

    Abraço deste lado do Atlântico e penso que gostas da expressão *não temas a noite* ;)

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    1. Olá, Paulo! Um Bem Vindo especial para você ;D

      *não temas a noite*

      Pode parecer simples, mas para mim esta expressão está cheia de poder essa frase. Um imperativo que me traz tantas coisas à mente.

      Obrigado pelo comentário, Paulo!

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    2. Obrigado :)

      Tem a ver com a serie do Peter V. Brett ehehe

      Ora essa nada a agradecer, virei sempre que poder

      Abraço de Portugal ;)

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  3. Oi Henrique, vc me convenceu. Vou colocar o livro na minha lista e ele vai até furar a fila.

    Boo Nina

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    1. Bem vinda, Nina! Você não faz ideia do quão bom é ouvir alguém dizer que vai ler um livro que nos marcou tanto. Vou deixar a Susanna, autora do livro, fazer o trabalho dela e depois não se esquece de me dizer qual o personagem que mais lhe cativou, ou que você mais detestou rsrsrs

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