quinta-feira, 27 de março de 2014

Análise: As Mentiras de Locke Lamora, de Scott Lynch (ÉPICO)




Mentir nunca foi tão épico.

Esse livro me fez chegar à seguinte conclusão: Se o Martin morrer, temos um substituto mais que à altura para seguir publicando Livros de fantasia com “L's” maiúsculos. E, fazendo minhas as palavras do Patrick Rothfuss, um dos melhores livros que li em minha vida.

Sempre que um autor de fantasia deixar sua originalidade fluir, teremos algo que merece nossa atenção. Mas, quando um autor, além de original, tem domínio sobre as palavras e uma mente dotada de toda sorte de inteligências, teremos algo como As Mentiras de Locke Lamora (cara, que livro bom!). Agora, vamos aos porquês...

Originalidade (um artigo raro na fantasia atual)

Scott Lynch teve seu primeiro livro publicado em 2005 e hoje sua tradução chega ao Brasil pela Arqueiro (Selo da Sextante), uma editora que tem feito ótimas escolhas em termos de publicações (os leitores de O Nome do Vento que o digam! Louvemos a Tolkien!!) Não me admiro nem um pouco ao descobrir que o autor recebeu o prêmio de Melhor Revelação do British Fantasy Award e foi finalista do World Fantasy Award com As mentiras de Locke Lamora ou que a série dos Nobres Vigaristas já foi vendida para 28 países e já tem os direitos comprados para adaptação cinematográfica (que nunca poderá atingir a grandeza desse livro incrível) pela Warner Brothers.

Mas, como só números não são sinônimos de qualidade, vamos ao que mais importa: as impressões que essa leitura deixou em mim.

As Mentiras de Locke Lamora é uma raridade por várias razões e uma delas (a mais importante) é a originalidade, é a ausência de mais do mesmo, é a novidade, o incomum, é a maravilha de ter em mãos algo que foi fruto de um trabalho muito bem feito, obrigado! E sim, eu preciso elogiar esse livro e preciso fazer isso de diversas maneiras, pois há muito para ser elogiado. Temos uma escrita original, personagens originais e um cenário tão fod* de tão original e que venham mais Scott Lynch para o Brasil (um beijo na testa para a Arqueiro!)
Se você está à procura de um universo novo ou reclamando por ainda não ter saído o sexto livro do Martin, vai no Lynch e corra o risco de mudar a posição de seus favoritos.

A Escrita

Na primeira página fiz duas marcações (DUAS!) e na segunda página fiz mais uma e assim foi durante toda a leitura. A escrita do Lynch é inteligente, seus personagens dão vida à diálogos que transbordam e fervilham de ironia, sarcasmo e perspicácia. Durante toda a leitura me peguei rindo e, em alguns casos, estarrecido, tal é a capacidade que o autor possui de criar comparações e frases de sabedoria e sempre mantendo o humor. Portanto, rir e se divertir também são elementos que posso garantir para os leitores de Lamora.

Gostaria de falar oceanos sobre a belezura que é a escrita do autor, mas vou guardar para mim e quem quiser descobrir que vá ler o livro. U,U

A Trama

Também estão garantidos, sem sombra de dúvida alguma, a imprevisibilidade, as reviravoltas e sangue, bastante sangue, sangue para fazer correr rios e mentiras para formar oceanos. Mentiras épicas!

O autor cumpre o papel que deve ser exercido por toda alma que decide escrever fantasia ou ficção fantástica, isto é, prender o leitor, fazer o leitor desejar, mais do que qualquer outra coisa, voltar para as páginas do livro, para seus diálogos, seus personagens, seu universo, fazê-lo perder o sono e ignorar a fome para ler “só mais um capítulo”. E falando em capítulos...

Um convite para expandir a memória

A forma como os capítulos do livro são distribuídos é mais um sinal de uma mente inteligente por trás da obra. Essa distribuição possui seu grau de complexidade, ao qual me habituei sem demora. No livro nós temos os capítulos, que vão abordar uma trama específica, ou seja, uma série de acontecimentos menores, que vão estabelecendo bastante tensão, dentro de uma trama maior que nos conduz ao clímax. Temos os interlúdios, onde se estabelece a alternância, que é uma técnica narrativa que consiste em contar duas ou mais histórias de maneira intercalada, de forma que ora se narra uma ora outra. E a anacronia, que é um recurso narrativo que consiste na alteração da ordem cronológica linear. Isso é um convite irrecusável para expandir a memória. (Amém)

Cada capítulo possui subcapítulos que, na maioria dos casos, são uma mudança de foco sobre os eventos ou personagens. Enfim, são peculiaridades que podem exigir do leitor menos experiente uma dose de “pera um pouco” para armazenar e organizar a dinâmica entre os capítulos, subcapítulos e interlúdios, para que não ocorra confusão. (Quem já leu O Nome do Vento e O Temor do Sábio estará habituado).

É cientificamente comprovado que, ao tentar lembrar-se da história que ocorreu em um tempo distinto do tempo em que ocorre uma outra história que é intercalada à leitura, o espaço para novas memórias se amplia e como resultado, temos vagas sobrando para que novos conhecimentos instalem-se bem confortados

Verosimilhança

A verossimilhança, que é muito importante em um livro de fantasia adulto e que está intimamente relacionada com os eventos que se desenrolam, é responsável por atribuir à história um caráter, digamos, próximo da realidade, do que é real, do que é possível de acontecer. Um forte e atual exemplo é "As Crônicas de Gelo e Fogo", com um sistema de governo convincente, personagens humanos e um mundo ou universo regidos por leis com aspectos coerentes, sem recorrer ao Deus ex machina, que podemos reservar para os infanto-juvenis.

Em Camorr, cidade onde o enredo da história se desmancha, temos uma divisão de classes bastante interessante, apesar de diferente, mas que poderia ocorrer em qualquer finalzinho de século V – XV, período da Idade Média. O sistema de magia também é bastante peculiar e, possivelmente, é fruto das experiências de Lynch com RPG.

Por fim...

... aguardo ansiosamente o livro 2, Marés de Sangue. Apesar de ser uma série, temos um livro 1 com uma história que possui início, meio e fim, sem deixar ganchos para um outro livro, exceto os próprios protagonistas que, sem dúvida, são um convite e tanto para continuarmos seguindo seus passos. Eu altamente recomendo As Mentiras de Locke Lamora.

Por Henrique Magalhães

10 comentários:

  1. Ois Henrique,

    Mais um excelente comentário e só posso concordar contigo um livro com muita qualidade e que não é para todos ter um primeiro livro com esta qualidade, assim de repente só me lembro de Duna do Frank Herbert e A Guerra dos Tronos do Martin.

    Pelo que já soube os dois livros seguintes estão muito bons, pena que não tenha possibilidade de ler em inglês caso contrario já tinha lido, mas mesmo sabendo que a SDE não irá publicar mais livros do escritor (embora penso que tenha os direitos), falo deste lado do Atlântico, acredito que isso um dia venha a acontecer, quem sabe passando a serie ou filme, tenho que ter fê e esperança :)

    Espero que seja bem aceite por esses lados, pois é sem duvida um livro muito bom :)

    Abraço e boas leituras ;)

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    1. Olá, Fiacha!

      Muito obrigado por vir aqui e que bom que gostou. De fato, esse livro e esse autor tem minha admiração.

      Estou pensando em reler Duna (sempre bate uma saudade). Eu estou aguardando ansiosamente o livro dois, espero que tenha tantas páginas quanto o primeiro. Vamos torcer para que o Scott tenha mais livros publicados aí em Portugal!

      Até mais!

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    2. Ois,

      Duna como livro é mais completo, mas são livros diferentes e bem que gostava de ter tempo para reler livros, mas esse seria seguramente um deles, logo fazes muito bem ;)

      Era bom, mas só mesmo se sair alguma serie, caso contrário vai ser difícil, vamos aguardar :)

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  2. Bom dia!

    A SdE tem apostado muito em seus lançamentos e só vejo a galera comentar rios e mares sobre as obras. Não conhecia o autor/livro, mas fiquei extremamente curiosa sobre a leitura. Tudo parece muito misterioso e os fatos aparentam ficar subentendidos, estimulando a curiosidade dos leitores (e céus, como amo isso!). Se minha lista de leituras não estivesse tão GIGANTEEE eu provavelmente daria uma chance para o livro.

    Beijinhos,
    Procurei em Sonhos

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    1. Bom dia! ;-D

      Espero que consiga ao menos inserir em seus próximos projetos de leitura Se gostas de surpresa então esse livro vai satisfazer seus gostos com maestrias!

      Obrigado pelo comentário e abraços!

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  3. OI adorei. estou entusiasmada para começar a ler... só a questão dos capítulos que me desanimou :x

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    1. Pessoalmente, achei divertido a dinâmica dos capítulos, ela ajuda bastante a criar a tensão. Depois de alguns capítulos você se acostuma. Mais uma experiência nova de leitura!

      Obrigado por vir aqui, abraços!!

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  4. Oi Henrique.
    A Saída de Emergência publicou este livro em Portugal, mas a edição brasileira saiu pela Editora Arqueiro.

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  5. Sou super fã do Lynch! Aliás, acho que os leitores não devem encará-lo como substituto de alguém. Leio fantasia há um bom tempo e acredite, esse tipo de noção acaba com o tempo. Você começa a perceber que no gênero fantástico cada autor tem o seu devido lugar, sem precisar ser substituto de outro na vida literária dos fãs de fantasia. Entendi o que você quis dizer, porém.

    Li esse livro há muito tempo, quando nem se sonhava que existia o Scott Lynch e li o segundo livro também. O Scott é fantástico e inovador (aliás, como o é também o Brandon Sanderson e o próprio Patrick Rothfuss, mas voltemos ao Scott. rsrs). O segundo livro é excelente e acho que os leitores brasileiros vão gostar muito. Estou com o terceiro, mas com as leituras pendentes ainda não pude ler e está sendo difícil me segurar. rsrs Enfim, bom saber que o Scott tem pelo menos uma chance de sucesso aqui, para quem o acompanha desde o início como eu é gratificante.

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    1. Olá, Cassiana! Feliz por sua visita!

      Já concordo com você sobre o quesito substituição. De fato, é uma má colocação. Que bom que me entendeu, vou dar uma editada!

      Lynch veio trazer para mim um dos melhores prazeres que os livros oferecem, o de te agarrar e lançar a toda velocidade em uma realidade onde tudo é significativo, cheio de sentido e como resultado, volto para o mundo real cheio de expectativa e com uma visão menos cinzenta a respeito de tudo (a fantasia urbana me ajuda muito a encarar o mundo capitalista em que estamos de forma mais condescendente).

      Ainda não li o segundo, pois a fila tá grande. Tenho tantas resenhas pendente... :|

      Abraços!!

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