segunda-feira, 31 de março de 2014

Análise: Silo,de Hugh Howey




Depois de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (Orwell) e Admirável Mundo Novo (Huxley), Silo vem para nos inserir em uma Ficção Científica com doses equilibradas de distopia e qualidade equiparável  a ambos.

Ao concluir a leitura de Silo, senti o impulso de ficar um bom tempo deitado, dias, semanas, pensando em como ler esse livro fez toda a diferença em minha vida, em como foi uma leitura memorável, necessária, singular, instigante, instrutiva e inovadora. A escrita me deixou extasiado. O que para alguns será “descrição demais”, para mim foi uma espécie de essência vital, como se por suas palavras e descrições, Hugh evocasse algo vivo, transformando a experiência da leitura em um ser cuja expectativa de vida está destinada ao fim apenas quando alcançarmos a última palavra do último capítulo do livro. Acima de tudo, a sensação de estar lendo um clássico escrito em meu tempo foi a que mais mexeu comigo. É como ter certeza de que, no futuro, distante ou próximo, essa obra estará entre os valorosos cânones da literatura.

Um Mundo Real

Silo é um livro adulto, escrito para mentalidades e pessoas maduras. Então abandone qualquer esperança ou anseio de encontrar qualquer semelhança com os livros recentemente publicados destinados à Jovens Adultos (YA). Existem “silos e mais silos” de distância entre eles, em termos de tramas, escrita, personagens entre outros. Então, nada de adolescentes e seus triângulos amorosos, suas incertezas, histerias, imaturidade e suas trilogias que mais bem fariam se fossem resumidas em um único livro, retirando-se todo o excesso de incertezas amorosas, intrigas infantis e problemas adolescentes. Em Silo temos adultos bem construídos, que já passaram por essa fase de imaturidade, que em minha opinião, contribui para a verossimilhança da obra, afinal, não acho que adolescentes conseguiriam salvar uma nação de governos corruptos ou de uma hecatombe, especialmente os adolescentes atuais, e nem vou citar meus motivos, não é mero preconceito, mas tenho minhas razões. Silo trás uma linguagem e personagens adultos e um cenários que são fruto de uma mente e propósitos maduros. Então, se você pretende ler Silo, sinta-se bem vindo a um mundo real, com problemas, intrigas, personagens e cenários tão reais quanto eu e você.

Silo é, essencialmente, um livro de ficção científica com altas doses de distopia. Há muitos elementos distópicos na obra, no entanto temos uma F.C. com a qualidade dos clássicos, personagens memoráveis, bem abordados, humanos e, não posso deixar de repetir vezes e mais vezes, adultos e convincentes. Somos apresentados a um futuro apocalíptico tão possível, que poderia já estar acontecendo sem que nos déssemos conta e é essa sensação que exerce um papel fundamental na experiência de leitura: a de estar caminhando para um fim assustadoramente semelhante e aterradoramente possível.

Silo é uma ótima oportunidade para conhecer mais da mente humana, suas limitações e motivações. Ao ser apresentado aos personagens da obra, você estará sendo apresentado a pessoas reais, com as quais convivemos, pessoas com propósitos, preconceitos, desejos, pessoas reagindo a eventos de um modo realista.

O processo de escrita do livro durou três anos e o autor, Hugh Howey, inicialmente escreveu uma história que deveria ser curta, como um conto, mas que assumiu proporções bem maiores. Howey é conhecido por ter feito sucesso publicando seu livro de forma independente pela Amazon, no formato e-book.

Hugh Howey em ensaio fotográfico



Uma Sinopse Editada (Removi os Spoilers)

O que você faria se o mundo lá fora fosse fatal, se o ar que respira pudesse matá-lo? E se vivesse confinado em um lugar em que cada nascimento precisa ser precedido por uma morte, e uma escolha errada pode significar o fim de toda a humanidade? Essa é a história de Juliette. Esse é o mundo do Silo.
Em uma paisagem destruída e hostil, em um futuro ao qual poucos tiveram o azar de sobreviver, uma comunidade resiste, confinada em um gigantesco silo subterrâneo. Lá dentro, mulheres e homens vivem enclausurados, sob regulamentos estritos, cercados por segredos e mentiras.

Para continuar ali, eles precisam seguir as regras, mas há quem se recuse a fazer isso. Essas pessoas são as que ousam sonhar e ter esperança, e que contagiam os outros com seu otimismo.

Apesar de parecer previsível, não poderia haver engano mais crasso em relação ao livro.

Silo e Sua Aplicação na Vida Real

Como costumo fazer em minhas resenhas, vou aplicar alguns aspectos do Silo à nossa realidade.

+ Silo X Eu e Você

A proximidade de Silo em relação a nossa realidade é tão imensa, que beira o impossível a possibilidade de o leitor não enxergar que a vida no Silo não é muito diferente da vida que levamos em nossa sociedade.

O Silo é uma miniatura da nossa sociedade inserida em um tempo futuro caótico e uma amostra de como o ser humano consegue criar mecanismos tecnológicos que garantam a preservação da humanidade em um colapso ambiental global.

O Silo possui mais de uma centena de andares e uma única escada espiral que dá acesso a todos os eles, logo, é comum que quem vive nos andares mais abaixo não acesse com frequência adares mais acima, dada a exigência física que é subir e descer a escada espiral. Os andares são divididos em blocos, que por sua vez são divididos por funções. Na história, a escada em espiral e a localização de cada função em seus respectivos blocos são, também, parte do planejamento e do propósito com o qual o Silo foi elaborado. A importância, propósito e inteligência por trás dessas localizações estão entre os elementos da histórias que faz dela interessante e singular.

Assim como alguns personagens começam a se dar conta de que há uma espécie de segredo no Silo que pode ser desvendado, em parte, por meio da observação e dedução, nós também sentimos que há segredos por trás de elementos do nosso cotidiano. Para citar um exemplo, temos a mídia, seja por meio de jornais, revistas ou televisão, sabemos o impacto que a mesma exerce na vida das pessoas.  Isso nos faz ficar atentos e ligar os pontos, perceber por meio de sinais, que há uma estratégia, um propósito. Tomar conhecimento da existência desse propósito ou “projeto” é o princípio da liberdade.

O autor consegue, com requinte e maestria, transformar os personagens e elementos do Silo, como os ambientes internos e externos, seus compartimentos e regras, em tensão palpável.

+ Descobrindo a Verdade e Reagindo à Mentira

Você é um produto produzido pela indústria, a Sociedade, isto é, por aqueles que detém o poder, o conhecimento a respeito da realidade, de como as coisas funcionam, aqueles que estão no topo do SILO.

Ok. Descubro que sou um produto. Faço, penso, falo, compro, sigo, quero, vejo ou/e ouço aquilo que esperam de mim. Se o indivíduo consegue fazer uma associação entre ele e um produto, notar que foi e é condicionado a pensar e ser aquilo que outros indivíduos o programaram para ser, há duas alternativas básicas: Mudar ou Aceitar. Cabe a cada um decidir continuar sendo um boneco influenciado pelo senso comum ou romper as cordas da ventriloquia e olhar o mundo por uma perspectiva mais ampla.

Eu, de minha parte, detesto cordas presas em minha mente e um dos elementos que utilizo para rompê-las é a leitura constante de livros, artigos específicos, material didático, documentários e a reflexão.

Sobre os Personagens

O leitor será tentado a separar, em um processo quase automático, os personagens entre bons e maus, mas em Silo as coisas não funcionam bem assim. No primeiro capítulo me deparei com uma personagem que detestei com força suprema, nos capítulos seguintes ela já havia adquirido meu passaporte para tomar um chá e ter uma boa conversa.

É bom aproveitar a leitura para estudar os personagens e o modo como eles reagem aos eventos externos (as mudanças na rotina imutável do silo, morte de pessoas, conversas) e internos (envolvendo conhecimentos, descobertas, ideias, suspeitas).

Os personagens estão sempre tomando atitudes baseados em seu princípio de ética e moral e quando as coisas saem dos eixos e a moral e a ética parecem desfazerem-se em frangalhos, é preciso saber de que lado você vai ficar, o que pode ser um pouco complexo.
...

Ficção Científica ou Distopia?

Silo  é uma ficção científica com grandes doses de distopia, muitos elementos distópicos que, aparentemente, predominam na história. De fato, o teor distópico está sempre presente, mas estamos falando de um possível futuro para a humanidade, isto é, uma previsão do que pode vir a ocorrer no ambiente terrestre devido a tal e tal causa, estamos falando de um sistema de tecnologia que possibilite a vida a níveis extremos abaixo do solo de maneira que estar centenas de metros abaixo da superfície não chega a ser notado.

Um “governo” manipulando um grande número de pessoas, ditando o que é ou não real, condicionando a sociedade, uma história que mostra como o ser humano poderá sobreviver a uma possível catástrofe global por meio de tecnologias especiais e os eventos que permeiam o Sistema é uma consequência desse futuro e de como ele foi planejado. Logo, a trama poderia ser outra que não envolvesse tanta manipulação, mas Hugh resolveu trabalhar de forma crítica quanto a esse aspecto em sua ficção.

Assim, satisfará quem gosta de sci-fi ou distopia.

Por fim...

Gostei de ter gostado de Silo. Gostei de ter apreciado, de ter interpretado, me afeiçoado. Gostei de poder ter lido a obra. A Intrínseca fez um bom trabalho de revisão. Espero poder ler o próximo livro o quanto antes e espero que outros apreciem tanto quanto eu a grandeza que é essa obra.

8 comentários:

  1. Ótima resenha, Henrique! Eu não gostei tanto assim do livro, acho que dei quatro estrelas e quando ao conceito de ser ou não uma distopia, eu acho que é sim uma distopia no sentido de que "é caracterizado pelo totalitarismo, autoritarismo, por opressivo controle da sociedade e as normas criadas para o bem comum mostram-se flexíveis. A tecnologia é usada como ferramenta de controle, seja do Estado, seja de instituições ou mesmo de corporações." como diz uma das definições de distopia. Claro, assim como Starters, a tecnologia é enfatizada, mas acho que não deixa de se passar em um futuro distópico onde a humanidade precisa lutar para sobreviver. Em várias resenhas que li lá de fora ele está caracterizado como ficção científica distópica, então não acho besteira falar que é ficção ou distopia, ou os dois juntos.
    Beijos!

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    1. Renata, é melhor eu deixar de ser chato e besta e encarar como uma Ficção Científica Distópica, afinal, reconheço que os aspectos distópicos são muitos. A questão é que, em minha visão, esses elementos distópicos não foram os mais relevantes e sim a questão do futuro caótico e das tecnologias de sobrevivência. Vou fazer uma edição.
      Não gostou tanto assim? :-( Notei, lá no seu blog que você lê bastante distopia o.O Recentemente li Divergente, mas não gostei muito do teor tuti-fruti do livro. Como eu disse, esses adolescentes me tiram do sério. Me dá umas indicações ^_^

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    2. Henrique, não sei se vc leu A Passagem do Cronin ou a série Encarcerados do Alexander Gordon Smith. Os dois seguem essa linha ficção/distopia e esses eu li no ano passado e gostei demais!!! No do Alexander Gordon Smith nem tem personagens femininos e no do Cronin até tem um romance, mas é tudo muito cru, quase platônico. Também não gostei muuuuito de Divergente. Achei bom, nada de fantástico.
      Recentemente li O Doador e achei beeeeem legal, exceto o final feito às pressas e o fato da Sextante não ter publicado e dizer que nem pretende publicar os outros livros no Brasil. Um saco isso.
      Beijos

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  2. Ois Henrique,

    Mais um excelente comentário e fiquei com imensa vontade de ler, a ver se encontro o livro deste lado do Atlântico :)

    Abraço e boas leituras

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  3. Quero ler esse livro. Obrigado pela resenha.

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  4. Fiquei muito feliz em ver Silo por aqui. Estava lendo seu blog nesses últimos dias e devo dizer que gosto muito de suas resenhas. Fiquei até um pouco receosa em ler, pois você possui umas criticas bem fortes quando não gosta de algo, mas depois, ao ler, fiquei feliz por você gostado tanto. Eu li logo após a Turnê da Intrínseca (onde tive que suportar gritos exagerados quando John Green ou Rick Riordan eram citados). A representante da editora falou pouco, o que me deixou um pouco chateada depois de ter lido o livro, mas acabei me interessando e comprando logo após o evento. Foi uma leitura muito boa, as descrições, os personagens, tudo! Estava entusiasmada no momento que encontrava alguns colegas e indicava esse livro, mas, todos que começaram, desistiram. A maioria disse que foi pelas descrições, eles acharam longas e chatas, desistindo logo na parte da Marie, que foi a parte em que podíamos compreender o psicológico de todo o Silo, não somente dos habitantes de cima. O mais estranho foi ver que a maioria sim, gostam de distopia, lêem todas essas novas séries, mas não conseguiram prosseguir com um livro incrível como esse. O mais triste é não ter alguém para conversar sobre, mas o resto eu compreendo, pois muitos deles estão acostumados com um tipo de enredo mais rápido, com mais "ação", ou até romances, da quais Hugh não ignorou, mas também não deu atenção, já que tinha tanta coisa para ser escrita.
    Eu amei esse livro de um modo que não sei descrever, foi uma surpresa, uma das melhores leituras desse ano e espero poder pedir os três pela amazon em breve, por que não terei tanta paciência para esperar pela editora.
    Parabéns pela resenha!

    P.S: Ele veio para Bienal e eu moro do outro lado do país com um estágio e faculdade, não pude ir e estava me lamento por dias. Foi engraçado, um amigo meu conseguiu uma camisa da série autografada e eu fiquei... Ok, nem preciso descrever a cena.

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    1. Hey, Ranny!!
      Costumo dizer que livros grossos são os melhores e não poderia ser diferente com os comentários: os maiores são os melhores. Me esbaldo!
      Adoraria tê-la em minha lista de amigos no Skoob ou no Facebook (caso tenha).
      A pior parte depois de ler um livro como Silo é a ausência de pessoas com quem compartilhar a experiência. Acho que é por isso que os Clubes de Leituras existem, para amenizar nosso tormento. Mas, infelizmente quando li Silo o fiz sem um Clube, então, meu irmão teve que me aturar fazendo dezenas de pausas para expressar minhas impressões (cada vez mais fortes) sobre a história e o livro como um todo. Me segurei para não fazer uma Análise Monstro!

      p.s.: acabei de notar que somos amigos no skoob.

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    2. Sim, já somos, achei seu blog por uma de suas resenhas, por isso fiquei a manhã toda lendo seu blog. Eu não entro muito lá, estou até com preguiça de atualizar os livros que faltam, haha. Ontem até me aventurei a colocar algumas coisas no meu goodreads, mas sempre acabo esquecendo um aqui e ali.
      Eu não julgo muito o livro por tamanho, mas tem uns que são muito bons e parecem pedra dentro da bolsa (lembro quando Guerra dos Tronos caiu em cima do do meu celular e rachou a tela). Eu gosto muito, mas tem vezes que é bom pegar livros do John Boyne, por exemplo, que são pequenos e leitura fácil, só para descansar um pouco a mente (os livros da faculdade são imensos também, então veja por aí).
      Seu irmão foi minha irmã, nesse caso, haha. Ela estava prestes a viajar quando pediu que eu acabasse logo o livro para ela levar. Eu li e ela teve que me aturar todo o caminho do aeroporto comentando cada parte do livro. Ela tem a mania de não ler/assistir nada com que eu me empolgue muito, o que é um novo hábito, já que antes era ela que me indicava tudo para ler e foi a pessoa que me incentivou a introduzir leitura na minha vida (foi meio tarde, 10 anos, mas foi MUITO bom).

      Um livro que me indicam e eu dei de presente para minha irmã (propositado, claro, ela divide a mesma estante comigo) foi A verdade sobre o caso Harry Quebert. Ele entra nesse quesito de livro grande (nem tanto, mas é) e muitos detalhes, não vejo a hora de poder ler!

      P.S: Já leu Mundo de Tinta? A série com Coração, Sangue e Morte de Tinta? É uma das minhas favoritas e a escrita da Cornelia Funke é linda demais, nos envolve e... Te faz sentir muitas coisas. Inspira bastante.

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