domingo, 20 de abril de 2014

Análise: Encarcerados, Volume I da série Furnace, de Alexander G. Smith



Se fosse melhor escrito e possuísse uma melhor trama, Encarcerados renderia uma ótima história em um livro único com cerca de 400 ou 500 páginas. Ao invés disso temos uma série composta por 5 livros (!) e uma história que parece haver sido escrita por um adolescente que tem potencial para tornar-se um talentoso escritor, mas que precisa seguir lendo, aprendendo e desfazendo-se de maus hábitos e vícios de escrita e aperfeiçoar seu próprio estilo. Como exemplo temos o volume um de As Crônicas do Matador do Rei, do Patrick Rothfuss, que levou quase uma década para ser escrito. Algumas pessoas precisam de tempo para produzir algo de grande valor enquanto outros o fazem rapidamente, é preciso uma auto-avaliação para saber qual tipo de indivíduo você é, afinal todos temos nossas particularidades e precisamos trabalhar em cima delas.

Eu posso dizer que gostaria do que Furnace poderia ter sido, algo grande, algo realmente bom. Acredito que por ser voltado para o público adolescente ou Jovem adulto, temos uma história sem profundidade nas falas, nos personagens, no cenário, nos momentos de tensão (que são muitos, porém parcamente tensos), o que é uma pena, pois subestima o potencial do jovem leitor. Em lugar de cinco livros não muito bem escritos, poderíamos ter uma história memorável, emocionante, repleta de tensão, mistério e profundidade, um épico de verdade. Furnace tinha tudo para figurar entre os melhores thrillers psicológicos da atualidade.

Encarcerados é uma deixa para aqueles que estão pensando em escrever um livro correrem em busca de críticas e avaliações, evitando assim um trabalho precoce e de qualidade questionável. Alguns podem argumentar que isso é relevante de considerarmos o público alvo do livro, argumento pífio do qual discordo veementemente, pois é como afirmar que livros destinados a jovens ou crianças não requerem qualidade, complexidade, profundidade, entre outros elementos que fazem de um livro um trabalho bem feito, pelo simples fato de terem o público que tem. Até soa preconceituoso.

Obviamente, essa é a minha posição a respeito do livro. Uma pesquisa rápida pela internet vai revelar resultados com uma esmagadora quantidade de posicionamentos favoráveis à obra e umas poucas menções semelhantes a estas acima. Ainda assim, penso que você deve ler Encarcerados e vou dizer os motivos.

Uma Curiosidade

Um ponto que admirei em Encarcerados é a TOTAL ausência do típico casal juvenil. Não há lugar para isso em Furnace, aliás, em Furnance, por motivos não explicitados, só há garotos. Isso nos livra de todas aquelas intrigas, decepções, maus-entendidos, triângulos amorosos, próprios dos Young Adults. Ainda assim, as reações dos personagens diante dos terrores de Furnace poderiam ser mais verossímeis.

Sobre a Obra

Capas e Títulos Originais


“SOB O CÉU ESTÁ O INFERNO, SOB O INFERNO, A PENITENCIÁRIA DE FURNACE.”

Em um futuro bastante próximo, muito perto do agora, após uma onda de crimes envolvendo assassinatos por gangues compostas por garotos menores de idade, o governo sanciona um projeto que possibilita o surgimento da sádica e letal Penitenciária de Furnace (literalmente, forno) para crianças e adolescentes criminosos, uma construção subterrânea parcamente aprovisionada onde diversas experiências envolvendo humanos são realizadas. Os responsáveis por Furnace são anomalias muito semelhantes a seres humanos, mas com olhos e sorrisos sinistros, dentre outras coisas. Alex é um dos garotos que vão parar em Furnance e é por meio dele que tomaremos conhecimento do que ocorre nas profundezas.

Furnace e Sua Aplicação na Vida Real

+ Crianças Assassinas

Em contrapartida, os temas presentes em Furnance, se bem trabalhados, poderiam introduzir os jovens leitores em questões bastante relevantes e atuais, dentre eles, as questões que envolvem as leis que são aplicadas a menores criminosos ou infratores, como, qual a condenação que deve receber uma criança de 11 anos que tira a vida de outras pessoas?

Na sociedade em questão, após uma onda de assassinatos cometidos por crianças e jovens menores, a sociedade, indignada, clama por intervenção e até mesmo os defensores dos direitos humanos são tentados a abdicar de seus ideais em defesa dos pequenos. Furnace então é noticiada na TV com o propósito de intimidar os criminosos ainda anônimos. Uma deformada e primitiva caverna é o que constitui a entrada de Furnance, com enormes estátuas retratando torturas, faces revertidas pelo horror, um clima cinzento, sem vida, subumano.

A obra nos permite conhecer de perto (com parco desenvolvimento e uma abordagem um tanto artificial) os criminosos, dentre os quais encontramos também os que foram condenados injustamente, que nunca tiraram a vida de alguém ou que o fizeram em defesa própria, mas que foram para lá conduzidos por uma interpretação incorreta dos fatos. Apesar dos poréns, isso é o suficiente para nos fazer refletir.

No Brasil, onde os menores são responsáveis por 30% dos crimes envolvendo roubos, furtos e homicídios, apenas na capital federal, a questão da condenação de menores é um assunto no qual devemos pensar e a respeito do qual devemos nos posicionar. Logo, uma leitura que nos permita avaliar algumas perspectivas dessa realidade é mais que necessária. Mais uma vez, a ficção se mostra potencialmente eficaz, fazendo-nos ver pelos olhos dos condenados e caminhar por suas mentes.

+ Cobaias Humanas



Aparentemente, os eventos que caracterizam o lado mais obscuro de Furnace ocorrem em sigilo, isto é, a sociedade e o governo não tem conhecimento de tais eventos, que envolvem testes realizados em jovens e crianças.

No passado, em um tempo não tão distante, no período da segunda Guerra Mundial, seres humanos eram usados como cobaias para todo tipo de experimento, em nome da ciência. Alguns defendiam que as cobaias humanas deveriam ser selecionadas dentre aqueles que haviam cometido assassinatos e crimes hediondos. Ainda hoje, um grupo de pessoas segue essa linha de pensamento. Diante da dificuldade da ciência em obter resultados de pesquisas que poderiam ser observadas de forma eficaz em um corpo humano, alguns consideram que criminosos devem fazer parte dos testes, como uma espécie de lei do talião, ainda vigente em alguns países da atualidade e muito comum no antigo Oriente Médio (e atual), onde pessoas eram apedrejadas e tinham seus membros amputados, conforme o crime que cometessem, que iam desde adultério e adoração a ídolos à roubos e assassinatos.

Não estaríamos nós assumindo o papel de criminosos ao submetê-los àquilo pelo que eles foram condenados?

+ Sobre o Inferno Pessoal de Cada Um

Um dos propósitos evidentes do autor é criar um ambiente e uma realidade na qual viver é pior que a própria morte, um cenário em que morrer acaba sendo um convite tentador.

Em uma sociedade cada vez mais tecnológica, onde ainda impera a desigualdade, a apatia, a violência, onde o relacionamento face-a-face tem sido substituído pela frieza virtual, onde pais e filhos são completos estranhos um ao outro, onde o medo faz parte da rotina e injustiças vem de onde menos se espera, a sensação se solidão, insegurança, desamparo, de ausência de sentido e desimportância assalta muitas pessoas, levando-as a questionar a validade do viver.

Tal qual em Furnace, não importa o que aconteça, agarre-se a seus amigos e mantenha acesa a esperança. Mesmo no inferno, jamais esqueça quem você é e acredite que um dia, cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, você vai encontrar uma saída.

Por fim...

Encarcerados tem 228 páginas e pode ser lido em algumas horas, dada a fluidez de sua linguagem que não é nem um pouco rebuscada. Eu recomendo a leitura do livro, mesmo com os contras. Não trata-se de tempo perdido e você mesmo poderá avaliar o desenvolvimento da trama, personagens, diálogos e escrita do autor. Como em toda leitura, é sempre bom exercer o senso crítico.

Por Henrique Magalhães

4 comentários:

  1. Oi Henrique :)

    Essa série me dá arrepios, confesso a você, mas pretendo comprá-la para. Sua resenha está nota 10. Abraços!

    http://euvivolendo.blogspot.com.br/

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    1. Hey, Gabriel!

      É sempre bom dar uma chance, pois pode ser justamente a novidade que vá te agradar.

      Abraços!

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  2. Confesso que eu AMO essa série. Acho que é uma questão de opinião mesmo, mas sua resenha está ótima!
    Bjs

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    1. Renata, eu juro que queria gostar da história. kkkkk
      Veja só, eu esperava que Furnace fosse um inferno, cruel até osso, mas, acredito que por ser um YA eles maneiraram um pouco do quesito terror psicológico. Se eu fosse um adolescente e estivesse lá, eu levaria ANOS para recuperar um pouco da calma, da paz e da sanidade. o entanto, o Alex quase se acomoda na primeira semana. o.O

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