sábado, 19 de abril de 2014

Análise: O Rei de Amarelo, de Robert W. Chambers



"Depois de uma leitura como O Rei de Amarelo, as únicas alternativas eram “o cano de uma arma ou o pé da cruz”.

Esperei, com ansiedade potencialmente irrequieta, que O Rei de Amarelo fosse lançado por essas terras, com uma edição digna e uma tradução, na medida do possível, fiel ao original. Por isso, quando o tive em mãos, nem pensei duas vezes antes de pausar a releitura que estava a fazer de Game of Thrones. Como que respondendo a um desejo já antigo, a Editora Intrínseca nos agracia com a publicação de um clássico bem traduzido, com uma bela capa, esbanjando originalidade. O revisor, Carlos Orsi, escritor e jornalista a respeito de quem, até então, não havia lido nada a respeito, preenche de notas cada conto da coletânea, lançando luz sobre aspectos que acabariam por passar desapercebidos, até mesmo para o leitor mais experiente.

Curiosamente, há outras editoras que pretendem publicar suas próprias edições do livro O Rei de Amarelo. Acredito que isso deve-se ao grande sucesso da série True Dectetive (uma série complexa a qual recomendo a todos os que estão em busca de trabalhos bem feitos), que estreou em 12 de janeiro e é exibida pela HBO e que recebeu boas críticas, especialmente pelo enredo, consistência dos personagens e pelas atuação dos atores. Um dos personagens da trama denomina-se O Rei Amarelo, uma clara alusão à obra de Chambers, que inspirou e inspira grandes nomes da literatura, como a minha muito amada Marion Zimmer Bradley, mais conhecida pela quadrilogia As Brumas de Avalon e a extensa e bem sucedida série Darkover, o adorado e reconhecido H.P. Lovecraft, mais conhecido pela terrível e assustadora mitologia do Cthulhu, E. Raymond Chandler, que escreveu um conto policial intitulado “O rei de amarelo”, os incríveis e respeitados Terry Pratchett e Neil Gaiman, que juntos escreveram Belas Maldições, Stephen King, reconhecido como o prolífico e atual rei da Literatura de Horror, entre outros.

Uma Ressalva

O Rei de Amarelo é uma leitura difícil, complexa, com escrita rebuscada e um texto que precisa ser devidamente interpretado para que não se perca a atmosfera que sua leitura proporciona. O livro faz muitas referências que facilmente passarão despercebidas ao leitor desatento (portanto, foco!). As notas deixadas pelo revisor do texto acabam por tornarem-se mais que valiosas, pois além das referências que Chambers faz a elementos e fenômenos da realidade, da cultura e da Histórias, há também referências que ligam um conto ao outro, ainda que implicitamente. Existem, ainda, muitos mistérios em torno da “Mitologia Amarela” de Chambers, alguns dos quais jamais poderão ser desvendados, dando margem para diversas suposições. A própria natureza de “O Rei de Amarelo”, um livro em forma de peça teatral presente em alguns dos contos, é um mistério proposital, e o pouco que é revelado, já nos fornece muito para pensar.

Sobre a Obra

Robert William Chambers (1865-1933) publica, em 1895, um peculiar volume de contos, contendo dez histórias — sendo que quatro delas giram em torno de uma peça de teatro intitulada O Rei de Amarelo.

Em sua obra, Chambers nos fornece apenas vislumbres do que seja ou do que esteja contido nessa peça de teatro (que á, na verdade, um livro, ao estilo de Shakespeare). Na obra, após os personagens lerem O Rei de Amarelo, eles experimentam o que pode ser denominado “uma nova emoção ou sensação”, tão radical, que a própria beleza do texto se converte em uma maldição para quem o lê, como salienta Carlos Orsi. São essas reações, por parte dos personagens que leem o livro, que inserem o horror na obra, pois elas são acompanhadas por uma espécie de revelação, em que os personagens já não enxergam as coisas como as outras pessoas enxergam e, em seu íntimo, estão sempre perturbadas pelas revelações que a leitura do livro lhes proporcionara. É como se lhe fossem contadas verdades enlouquecedoras. Um trecho que descreve bem é o que segue:

“Seu olhar caiu sobre o livro amarelo que Lorde Henry lhe enviara. O que seria isso, perguntou-se (...) após alguns minutos, estava absorto. Era o livro mais estranho que já havia lido. Parecia que, em vestes refinadas, e ao som delicado de flautas, os pecados do mundo desfilavam, em silêncio, diante dele. Coisas com que havia sonhado de modo vago tornavam-se reais para ele. Coisas que jamais imaginara eram-lhe reveladas.” - O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde (1854-1900)

Desfechos Dúbios

Os quatro primeiros contos, que fazem referência direta à peça O Rei de Amarelo, possuem desfechos dúbios, que nos levam a parar um pouco e repensar a trama para atribuir uma explicação razoável que nos permita compreender o que se passou. No entanto, essa busca pela compreensão pode se converter em frustração, pois, como já citei, os mistérios presentes na obra são profundos e escuros, pois giram em torno do tão misterioso livro Rei de Amarelo e sua mitologia, cujas informações nos são dadas parcamente.

Acredito que muitos leitores terão a sensação, ao chegar ao desfecho de um conto, de que o autor foi impedido de continuar a escrever, como ocorrem nas obras incompletas, como os contos da Cantuária, em que o autor morre antes de concluir a escrita. Essa sensação não deve dar margem para frustração, mas para a reflexão.

Você Precisa Saber Antes de Ler

Já me referi à dificuldade pertinente à leitura do livro, por sua escrita e por sua trama. No entanto, essa é uma ótima oportunidade para dar passos mais ousados na sua experiência de leitura, pois ela exigirá muito de seu raciocínio, de sua memória e de seu vocabulário. Espero que esse aspecto não o prive de ler essa preciosidade.

Outro aspecto relevante é a natureza dos dez contos presentes na coletânea. Quatro deles se passam em uma “realidade” na qual existe a peça O Rei de Amarelo, que exerce influências sinistras naquele que a lê. Dois contos, ainda contendo elementos fantásticos, não citam a peça, mas parecem possuir ligação com os outros contos. Já os quatro últimos contos são de caráter completamente realistas e como nos outros dois, a peça sinistra não é citada. No entanto, como as notas nos permitem confirmar, Chambers parece ter inserido em outros contos, referências e elementos comuns aos contos que mencionam o Rei. Para o leitor que busca as experiências do horror ou do fantástico da leitura dos contos, esse últimos jamais irão conceder nem mesmo a sombra da sombra de tais experiências. Eles devem ser lidos sem qualquer expectativa, para evitar desencantos com a obra. Tratam-se de contos românticos envolvendo jovens boêmios que vivem em Paris e que também possuem algumas ligações entre si e referências implícitas ao Rei de Amarelo.

Pessoalmente, não vi como essas referências poderiam ser úteis na compreensão de aspectos da Mitologia Amarela e aconselho que sejam lidos como contos à parte, sem expectativa alguma de encontrar informações consistentes sobre o Rei. O desejo de encontrar tais informações é quase inevitável, do meu ponto de vista, por se tratar de uma trama misteriosa na qual temos no enredo um livro maldito que amaldiçoa aquele que o lê, é despertado em nós um interesse bastante natural acerca do que está contido no livro maldito e do que exatamente são os elementos que os personagens que o leram acabam por revelar, como por exemplo, Carcosa, onde os sóis gêmeos afundam sob o lago e as sombras se alongam, onde o manto em retalhos do Rei se agita, onde estrelas negras sobem e estranhas luas o céu percorrem...

Por fim...

Nas análises que faço dos livros que leio, tenho por regra sempre discorrer sobre os aspectos morais retratados, temas que são abordados nos quais podemos refletir, reflexões a respeito desse ou daquele personagem, dessa ou daquela afirmação, entre outros. No entanto, cada um dos dez contos presentes nessa coletânea merece atenção particular, de modo que se fosse discorrer sobre cada um deles, eu precisaria de muitas e muitas linhas. Por isso, vou considerar a possibilidade de trabalha-los de modo singular. Dentre os contos, os que mais me foram caros são O Reparador de Reputações, tanto pelos personagens e trama quanto pelo fato de haver sido o primeiro contato que mantive com O Rei de Amarelo, o conto O Emblema Amarelo, pois foi o que mais me transmitiu horror e o conto Rua de Nossa Senhora dos Campos, pela moral que ele contém e pelo ótimo teor cômico.

Para aqueles que pretendem ler O Rei de Amarelo (de minha parte, eu mais que recomendo), estejam preparados para uma leitura que inspirou grandes nomes.

5 comentários:

  1. Viva,

    Excelente comentário a ver se descubro por cá, parece ser um livro muito bom e de leitura obrigatória ;)

    Abraço e boas leituras

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    1. Olá, Fiacha! Acredito que ele foi lançado em Portugal, acho que vi isso na Wikipédia. Acredito que a melhor forma de ler ele é escolhendo um conto por dia, na ordem de publicação. :)

      Abraços!

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  2. Recebi o meu ontem. Não vejo a hora de começar a ler. Ótima análise. Parabéns!

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    1. Hey, Helton!
      Como você já está de posse desse pedaço de perfeição, só posso te desejar uma ótima leitura. Desfrute! ;)

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  3. Olá, Henrique.
    Acabei de ler O Rei de Amarelo e pretendo fazer um vídeo para o meu canal, quando me deparo com esse texto. Gostei muito e achei super completo. Beijos e obrigada :)

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