domingo, 12 de janeiro de 2014

Análise: A Elegância do Ouriço [de Muriel Barbery]



Irônico, belo, cativante, maravilhoso e inesquecível.


Sobre a Obra

A Elegância do Ouriço (no original L' Elégance du Hérisson) é um romance filosófico que narra a história de alguns moradores do número 7 da Rue de Grenelle do ponto de vista de duas fortes personagens femininas, sendo uma delas Paloma, uma garota de 12 anos com uma capacidade reflexiva e de uma inteligência acima do comum, filha de pais com grande poder aquisitivo e membros da elite da sociedade; E Renée, zeladora do prédio em que mora Paloma e muitas outras famílias da alta sociedade, uma senhora que esconde sob a faixada de pobre iletrada, ignorante e obtusa, um imenso amor pela literatura, pela música e por toda forma de arte, dotada de uma capacidade reflexiva invejável e detentora de uma inteligência admirável. Paloma tem de lhe dar com a incompreensão se sua família e viver em meio aos seus costumes e hábitos mantendo sempre a discrição quanto aos seus pensamentos a respeito do modo como estes vem levando a vida. Ela tenta encontrar motivos para continuar vivendo e o significado da existência observando as pessoas ao seu redor e refletindo sobre momentos e situações do cotidiano. Ela está disposta a sacrificar a própria vida caso não encontre motivos convincentes para continuar existindo. Por meio de Renée e Paloma, somos apresentados ao estilo de vida dos moradores do prédio e de alguns dos moradores do bairro em que residem. Em cada personagem e nas reflexões e abordagens que nos são apresentadas sob as perspectivas dessas duas mulheres, temos um convite a refletir sobre nossa vida, nossos comportamentos como seres sociais e, acima de tudo, sobre a existência e seus mistérios desde o mais simples e trivial evento.

A Elegância do Ouriço e Sua Aplicação na Vida Real

+ Paloma

Uma adolescente de 12 anos com uma sensibilidade que muitos adultos sequer chegarão a ter. Paloma não vê sentido em muitos dos hábitos que são nutridos por seus pais e sua irmã, em seus estilos de vida, no modo como encaram a realidade e em suas opiniões a respeito de como as coisas devem funcionar. Paloma possui uma percepção que a torna capaz de decifrar momentos que são completamente ignorados e tidos como altamente triviais e precisa esconder-se sob um disfarce de relativa ignorância a respeito do funcionamento da sociedade em que está inserida. Não conseguindo habituar-se aos costumes da elite, os quais reprova, ela passa a buscar motivos que a convençam de que vale a pena continuar vivendo em uma sociedade onde a vida é banalizada e os costumes são abjetos, onde o que importa é o material, roupas, joias, banquetes, profissão...
Em muitos momentos Paloma nos convida a refletir sobre o que estamos a fazer de nossas vidas, sobre os valores que atribuímos à coisas que em essência não são relevante, importantes.Ela nos convoca à refletir sobre todos os aspectos da vida, a nos manifestarmos contra o que é fútil e prejudicial ao bem coletivo, contra injustiças e a desvalorização das classes tidas como inferiores. Nos convida ainda a alimentarmos o espírito, a nossa mente,  com o conhecimento a respeito das ciências e nutrir um senso crítico, pensar com nossas próprias mentes, sem repetir o que nos enfiam mente adentro.

+ Renée

Tal qual Paloma, Renée é uma inspiração e acompanhamos o seu desenvolvimento durante o decorrer da narrativa, o processo pelo qual ela vai deixando de usar a máscara da ignorância para por abaixo o preconceito contra castas, tornando-se a prova irrefutável de que poder aquisitivo não é sinônimo de felicidade e não compra o que preenche a vida de satisfação verdadeira, mas sim o modo como resolvemos nos comportar com relação uns aos outros. Como Renée também podemos incorrer no erro de encobrir nossos ideais, esconder nossas ideias, guardar para nós mesmos nossos pensamentos por medo do comportamento da sociedade, do que irão pensar, por considerar que o normal será conspurcado ou violado e que, por fazer parte de uma minoria, não deve-se expor o pensamento incomum. Estamos inclinados a considerar que não vale a pena nadar contra o fluxo, contra a massa, contra o vento. Renée então alimenta a chama que pode já estar se apagando nos corações dos inconformados, nos mostrando que há sempre os momentos de sempre no nunca que nos fazem continuar, que nos catapultam para frente, que nos incentivam a lutar em defesa do que é certo e viver a vida aproveitando todo o significado que está presente nos instantes.

+ Somos Retratados

Há muitos outros personagens presentes em A Elegância do Ouriço e o leitor poderá refletir em cada um destes, identificando seus traços, estilo de vida, comportamento e inevitavelmente criando pontes entre os personagens e entre si mesmos. Em muitos momentos o leitor se verá na presença de personagens cuja forma de encarar a vida e suas ações diante das situações e contextos em que estão inseridos, o fará notar semelhanças entre eles, muitas vezes detestáveis e encarar verdades que talvez, de outro modo, levariam tempo para emergirem para a superfície da consciência ou que sequer chegariam a conhecer.

+ Beleza

Trata-se, ainda, de uma história de beleza. Durante a leitura haverão, sem dúvida, momentos de risos, muitos desses momentos. Haverão momentos de beleza, onde a vida irá adquirir significados elevados, onde eventos pequenos deixam de ser apenas pequenos para serem também inesquecíveis, memoráveis. Cada personagem é uma vida trazida à tona para a nossa realidade pela escrita de Muriel Barbery. Uma bela história que quando lida, jamais é esquecida, e evoca sentimentos e sensações profundas. Sei que poderia escrever um imenso texto sobre como essa leitura é necessária, urgente e além disso, uma dádiva, um bálsamo, mas deixo isso a cargo do próprio livro.

Por Henrique Magalhães

2 comentários:

  1. O que comentar perante uma resenha dessas??? Ela está incrível, faz jus ao livro maravilhoso que é! Parabéns! Bom te descobrir! Um beijo e realmente, é tudo isso que disse e muito mais! ;)

    Quel

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  2. Muito obrigado, Quel! Bom saber que compartilhamos a mesma admiração por uma obra. Me marcou terminantemente!

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