terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Análise: A Revolução dos Bichos [de George Orwell]


Se você nunca leu A Revolução dos Bichos, desmarque qualquer compromisso, para o que quer que você esteja fazendo, desligue a TV, saia da internet, levante da cama, prepare uma boa bebida, pegue uns biscoitos e vá ler esse livro!

ALERTA: Esteja preparado para encarar verdades duras!

Sobre a Obra

Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, "A Revolução dos Bichos" é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos. Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stálin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos - expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História - mimetizam os que estavam em curso na União Soviética. Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação, levaram A revolução dos Bichos a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto. 

Outras informações relevantes sobre a obra são:

- Na época em que foi publicado, exemplares do livro foram confiscados, queimados ou destruídos de alguma outra forma. Pessoas foram punidas por serem pegas portando o livro e ainda hoje, em alguns países, a publicação da obra é proibida;

- O livro é uma sátira feita a União Soviética comunista;

- O livro obteve o 31º lugar na lista dos melhores romances do século XX organizada pela Modern Library List, está entre os 100 melhores da língua inglesa e inserido entre os Grandes Livros da Literatura Ocidental.

A Revolução dos Bichos e Sua Aplicação na Vida Real

* Há muitas analogias e alegorias a pessoas e eventos reais presentes na história, entretanto eu não pretendo abordar. Aconselho o leitor a fazer uma pesquisa a respeito do contexto para o qual a obra foi escrita, afinal de contas, a crítica feita por Orwell em Animal Farm é tão assombrosamente atual quanto o foi em sua publicação.

+ A Fazenda

A fazenda é a morada daquele que detém o poder, que usufrui do trabalho mau "pago" dos animais da fazenda, onde há conforto e diversão, uma construção que protege contra o frio, o calor, contra as intempéries do tempo. Um lugar seguro, um status visível e intimidador. Mr. Jones utiliza-se dos esforços e produções dos animais para manter seu status e aumentar o valor de suas posses, adquirindo estabilidade e um futuro protegido pelos bens. As vacas contribuem com litros e litros de leite, as galinhas com suas demandas de ovos, os porcos com suas próprias vidas e assim cada animal da fazenda é vítima da exploração. Mas, o livro passa longe de lutar pelos direitos dos animais, por isso é sempre bom ter em mente que trata-se de alegorias, uma parábola com o propósito de retratar verdades sociais. Logo nos questionamos: Quem é representado por Mr. Jones e por seus animais escravos-assalariados?

Mr. Jones nada mais é do que a elite, a classe social dominante, um retrato daqueles que se beneficiam do sistema podre capitalista, que é o sistema econômico vigente em praticamente todo o globo e no qual nós estamos inseridos (ou ele está inserido em nós?). O sistema capitalista é manifestado em toda sua nudez em Animal Farm, um sistema econômico cruel, escravagista, assassino e tão falho como muitos outros tipos de sistemas, alvo de argumentos que o favorecem e que o abominam.

Geralmente, os membros da alta classe social são tentados a ver o capitalismo não como um sistema econômico cheio de falhas, mas como um fenômeno natural, onde algumas pessoas estão destinadas à servidão (muito semelhante ao trabalho animal na obra de Orwell), e por isso precisam atuar como fonte de produção em fábricas e empresas, dedicando horas de trabalho durante praticamente toda uma vida (como o cavalo Sansão) e recebendo como retorno uma parte tão ínfima de sua produção, que mal conseguimos diferenciar assalariados de escravos ou animais de fazenda. Em contra partida, os que detém o poder, os donos das fábricas e empresas vivem, ás custas dos trabalhos de escravos-assalariados, uma vida de consumo, luxo e todo tipo de regalias, entesourando para si os lucros obtidos com as horas de trabalho daqueles que por eles são vistos como inferiores, pobres aziagos amaldiçoados pela "natureza".

"No fim, o capitalismo prega que todos são livres, mas... Se os indivíduos são livres não por si, mas por outra coisa (o dinheiro, o salário), eles não são livres, mas escravos dessa coisa e daqueles que detém essa coisa (os capitalistas). O trabalho assalariado se assemelha a uma escravidão de aluguel, onde o trabalhador é impelido à escravidão pela pobreza, em lugar de pelo chicote." (trecho recolhido da wikipédia)

+ Os Animais

Mas os dias de poder e domínio de Mr. Jones estão contados.

Imediatamente ao início da história, ficamos cientes de um evento que muda toda a história dos animais-escravos. Motivados pelas palavras finais de um sábio e já muito velho porco, por suas palavras que pregam libertação do jugo imposto pelos homens e por uma antiga, há muito esquecida, canção que idealiza um mundo sem homens, onde "todos os animais são iguais", A Revolução dos Bichos tem início e toma proporções gigantescas. Mr. Jones e os seus são expulsos de casa pelo manifesto dos animais e insurreição violenta dos mesmos contra o descaso e a exploração. Juntos eles criam sua próprias leis e regulamentos, seus próprios ideais para um mundo melhor, prezando por um sistema econômico igualitário, o animalismo (alegoria do comunismo).

Revoltar-se contra a opressão. Lutar para que o jugo seja removido e medidas melhores sejam tomadas em prol da igualdade e do bem comum. Um mundo sem classes sociais superiores e inferiores. Como a própria História do Mundo nos mostra, as coisas podem apenas parecer, mas não são tão simples assim.

No início todos vivem como se todos os problemas houvessem tido fim, não há mais Mr. Jones para importuná-los e explorá-los, eles são seus próprios patrões e todos tem um papel a desempenhar dentro de suas próprias possibilidades mas, não muito tempo depois, alguns começam a considerar-se superiores, mais inteligentes e, portanto, merecedores de certo crédito, respeito e regalias. Nem todos querem contribuir com o trabalho que precisam ter, afinal, eles precisam produzir para sobreviver. Utilizando-se de força militar (cachorros ferozes), um dos porcos (tidos como os mais inteligentes e responsáveis pelos planejamentos que os manterão vivos, abrigados e alimentados) assume o que inicialmente soa como simples liderança, mas que assume o caráter de um bárbaro totalitarismo. Decisões erradas e egoístas baseadas no ponto de vista de um único indivíduo que dificilmente assumirá seu próprio erro, mas criará na mente dos subordinados um inimigo fantasioso (na obra, o revolucionário, porém intimidante porco Bola de Neve).

Assim se constrói um cenário repleto de referências a eventos que desencadeiam a gênese dos sistemas econômicos, e como os mesmos possuem diversos pontos falhos e perigosos. Pode parecer apenas chatice de aula de História, quando na verdade é um retrato magnificamente tangível da opressão a que está exposta uma maioria esmagadora da nossa sociedade, provavelmente você que está a ler este texto é um membro dessa classe dominada que vive a realidade de dedicar anos de vida à subsobrevivência, explorações e influências, longe de serem benéficas de uma sociedade onde todos estão aprendendo que a única forma de se dar bem é passando por cima dos outros.

+ Corvo e Ovelhas

Gostaria de ressaltar, dentre tantas figuras presentes na obra, a do corvo e das ovelhas. 
Enquanto os cavalos representam a classe assalariada explorada até o fim de suas forças e de suas vidas as ovelhas representam aqueles que devido a grande ignorância, a ausência de senso crítico causada em grande parte pelo analfabetismo e falta de educação, simplesmente não conseguem raciocinar, nem sequer notar que existe alguma coisa errada na forma como estão levando a vida, que apenas repetem as palavras bonitas e os argumentos ocos que recebem de seus líderes. Pessoas que acabam se convencendo que os erros do sistema econômico não passam de acertos ou pequenas demonstrações de que nem tudo é perfeito mas que estão fazendo o melhor que podem, e que as coisas são como são e pronto. Pessoas incapazes de tomarem decisões próprias e que precisam de um guia, um pastor, alguém a quem possam recorrer intelectualmente, que mostre o que é certo e o que é errado, a quem jamais devem questionar.

Essas mesmas pessoas são tentadas a acreditar em contos de fadas e por acreditar neles, não lutam para melhorar a realidade. Se existe algo errado, alguém um dia nos salvará, precisamos apenas confiar, é o lema delas. Em Animal Farm, quando os animais enfim se veem livres de Jones, eles também desfrutam da ausência de um pesado fardo, o corvo de Jones que o segue em sua fuga. O corvo é responsável por encher a mente dos animais com promessas de um céu repleto de conforto e torrões de açúcar e alimentos sem fim que virão após a morte. Suas palavras são tão bonitas e sua eloquência em comparação com a ignorância das ovelhas tão admirável que praticamente todos são tentados a crer no que diz o corvo, inclusive aqueles que como os cavalos, notam que existe algo errado, mas que seus raciocínios não conseguem alcançar. Essa crença os leva a manterem-se estagnados, é algo como tudo acontece com a permissão de deus e por isso só precisamos esperar.

Uma realidade, para mim, assustadora.

+ O Burro e as Letras

A leitura se mostra o melhor auxílio para quem quer ter uma mente esclarecida e não ser enganado.

Um dos personagens mais interessantes é Benjamin, o burro. Ele é um dos poucos que sabem ler e que desfrutam do privilégio do raciocínio, o fato de saber ler e interpretar o priva de cair nos engôdos a que estão expostos aqueles com espíritos de ovelhas. Benjamim acredita que a vida sempre será dura, árdua e vê os eventos com a clareza de uma mente aberta e disposta a encarar os fatos. Já velho e conformado com a dureza do existir, Benjamim não se mostra disposto a convencer ninguém sobre o que está correto ou errado. Esse conformismo, talvez já tenha me atingido muitas vezes, e até acredito que é assim que me sinto agora com relação ao modo como as coisas estão funcionando na sociedade e no mundo, mas, talvez eu esteja certo, ou não, penso que sempre devemos lutar, seja com palavras ou, quando necessário, pela força. Devemos sempre lutar pela liberdade e nos mostrar contra todo o tipo de servidão, exploração e escravidão. Mas, e quando um dia as coisas estiverem melhores, não voltarão elas a ficarem ruins? Parece que há muito do espírito de Jones em cada ser humano, e que sempre surgirão diferenças, classes, melhores e piores, letrados e iletrados, fortes e fracos. Mas talvez seja esse o propósito da vida humana em sociedade, lutar para atingir o melhor, ainda que seja um melhor passageiro.

Por Henrique Magalhães

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